Da janela da minha alma
Avista-se a paisagem branca onde os signos se encontram
E os passos da escrita se gravam sem querer
Faz frio na página e as palavras usam cachecol ao pescoço e roupas quentes de lã
Estou junto à lareira que me traz os olhos a crepitar das histórias que m’afrontam
A aquecer os dedos no calor de um afago a arder
Teu corpo de letras estendido no meu
Tapete quente e Persa das mil memórias em que me esqueço
Parece-me que hoje é um bom dia para incendiar o amor nesta fogueira dos
segredos
Mesmo que a página não fale de ti no seu silêncio branco
Nem se tinja do teu hálito
Nem seja casulo onde me teço
Já te nomeei afinal em mil poemas
Erigi em guerra santa a mesquita do teu ventre em todos os momentos
Fiz-te um filho de palavras como quem semeia o futuro
E se cumpre no soprar dos ventos
Em ti que sou o amante no caminho da faca
Navio sem âncora nem mar
Doca seca do meu desejo de amar
Se me encontrares hoje tombado no veneno do que aqui disser
Se de angústia se fizer esta dor de não saber a quem endereçar este amor de fel
Não terá sido culpa tua nem sequer do branco do papel
in: «Os poemas não se servem frios» - 2010