As escadas haviam ficado longas demais para mim, e as paredes
dobravam-se sobre a minha cabeça. O tempo lá fora havia mudado, e nuvens negras e ameaçadoras tomavam conta do céu. Podiam-se ver raios no horizonte, o vento estava mais frio e cortava feito lâmina. As pessoas passavam por mim correndo, para se esconderem da chuva que não tardaria a chegar, mas isso não me importava. Quando dei por mim, ela já caia em pingos grossos no meu rosto, e escorriam como lágrimas que eu não derramei.
E eu andei sem rumo, até a noite cair. Cruel e gélida. Andei até chegar a uma região afastada do centro, aonde eu nunca havia estado Não era uma área feia, apenas distante, com prédios velhos e ruas
descuidadas, tinha lá o seu charme, e fora importante na década de 10. Mas não mais.
Havia alguns homens recolhidos debaixo de uma marquise, escondidos da chuva e aquecendo-se ao fogo ardendo num tambor. As garrafas em suas mãos brilhavam tão intensamente quanto os seus olhos e eu podia ver as fumaças que deixavam os seus charutos subirem e dançarem ao desviar da chuva. Os seus olhos estavam tão vazios quanto os meus. No primeiro momento zombaram de mim, mas em algum momento perceberam que a tristeza que eu carregava. Então, chamaram-me para se juntar a eles. Eles pareciam tão distantes dos problemas... pareciam senhores do
mundo... pareciam felizes... e, naquele momento, protegidos da chuva fria, pareceu-me uma boa ideia juntar-me a eles.
Eu cheguei, e eles me deram uma garrafa de uma bebida quente. Na altura dos meus trinta e cinco anos, eu jamais havia colocado uma gota de álcool na boca, mas eu não sabia o que estava
fazendo. A garrafa me parecia atraente naquela hora, com a sua forma arredondada, robusta, o seu líquido verde e brilhante... E então, não me lembro de mais nada.
Só acordei muito tempo depois, com a
voz de Carl me chamando. Era outra manhã fria e cinza, e minha cabeça doía como se mil sinos tocassem juntos em meus ouvidos.
-Venha meu amigo – disse Carl, carregando-me e me colocando no
carro – aqui não é o seu lugar – completou.
Quando cheguei estavam todos me esperando, e pude ver o ar de alivio que todos envergavam. Tomei um longo banho quente, e
ainda fingia pra mim mesmo que não sabia o que estava acontecendo. Isso não durou muito, só até quando saí e encontrei de pé na sala me esperando, Danna e Carl. Todos já haviam ido embora:
-Acho que precisamos conversar! – disse Danna, num tom bastante severo, que eu ainda não tinha conhecido nem imaginado que ela seria
capaz de demonstrar.
-Prepare-se meu amigo... – disse Carl.
A última coisa de que eu precisava era de um sermão, foi o que eu pensei - mas ele viria a galope:
-Estou admirada Denny, eu nunca imaginei isso de você! – ela falou alto para que todos pudessem ouvir.
-Devagar querida... – pediu Carl.
-Devagar? Por que eu deveria? Ele foi devagar?! Talvez se eu não se importasse com ele eu pudesse ir devagar, ou se não ligasse a mínima
pra Clara, aí talvez eu pudesse pegar leve! Você viu o que ele fez Carl? Ele me decepcionou, sabe por quê? Porque eu esperava muito dele, sempre esperei, mas hoje o vi deitado às latas de lixo, como
os cães que vivem na rua. E quando Clara mais precisava...
-Danna...
-Não Carl, veja você mesmo! Não venha me dizer que ele está sofrendo, e quanto a mim? Eu amo Clara, não tenha dúvidas disso, ela está me fazendo falta também...
Eu fiquei calado, não tinha o que dizer. Danna estava certa em cada uma de suas palavras. E embora eu amasse muito Clara, nada justificava o que eu fiz. Na verdade, o amor que eu sentia por
ela deveria ter me dado forças. Ser mais um motivo para mim não fazer as tolices das quais me arrependia amargamente naquele momento.
-Me perdoe Denny, se eu estiver sendo sincera demais... mas você não merece Clara. Sabe por quê? Por que se fosse ela em seu lugar ela
choraria muito, se desesperaria eu sei. Talvez nunca mais fosse a mesma, mas de uma coisa eu tenho certeza, ela nunca desistiria. Por que eu posso ver a força nela. Desistir seria muito óbvio para
Clara. Mas vejo que não é pra você...
Danna saiu em meio as palavras que dizia e bateu a porta com tal força que o lustre sobre minha cabeça balançou, ameaçando espatifar-se sobre a minha já dolorida cabeça. Carl saiu logo atrás, mas antes se virou e disse:
-Eu lamento...
j