Arregaça uma e outra manga para o trabalho aturado que o espera no celeiro. Abotoa a alça solta das jardineiras, que são de dura ganga, para as ajustar ao corpo. A carroça está cheia por inteiro... está mesmo atafulhada de tão cheia. O animal está esbaforido, exausto e clama, arfando em silêncio por água e ele, antes de pegar na forquilha, satisfez-lhe a necessidade.
É cedo, o dia ainda esfrega o olho, mas a refrega, essa não tem sono. Sendo assim, enche o peito e de uma penada joga-se ao cabo de madeira lisa para pegar na lida que não virá a largar até estar vencida. Lá começa a empilhar fardo a fardo enquanto as cigarras cantam lá fora. Sabia que lhe ia sair do couro... ora, paciência, tinha que ser feito!
Do outro lado do terreiro, debaixo do telheiro, uma miúda de tez trigueira estava sitiada por um bando de galinhas que caçavam, sem dó, os grãos que eram lançados para o chão... atirava-os em jeito de sarria, acompanhando os gestos com chamados agudos carregados de "is".
Na casa, a mãe já preparava o almoço pois os madrugadores café com leite e o pão com manteiga de todos os dias não iam ser suficientes durante muito tempo. O tacho já estava ao lume e este manter-se-ia brando até ao fim. As regras de uma comida saborosa assim o impunham.
A avó, que não queria saber de água da rede, ia todos os dias ao poço com dois baldes de chapa zincada. Ai a avó... que desde o ano passado não tinha avô. Era rija como não era ninguém em nenhuma cidade. Nunca fora ao médico e dizia que quando morresse, morria como as árvores... ah grande velha... gente com aquela massa já não existe, dizia ele, com frequência, com a boca cheia de orgulho.
Por esta altura já o dia estava no fim do seu primeiro meio e, como sempre, de debaixo da soleira da porta a mãe grita a plenos pulmões que o almoço está na mesa. Todos se chegam e a comida que não é muito rica, é generosa... sempre foi. Não há vistas hoje mas, se aparecessem, havia comida que chegasse... sempre houve... "com a graça de Deus", palavras da avó.
Vai começar o segundo meio do dia no monte...
Valdevinoxis
A boa convivência não é uma questão de tolerância.