Poemas -> Reflexão : 

Morte?Sem antes ter Vida?

 
Por Willians de Oliveira

Se eu ainda pudesse pensar e se pudesse falar eu pensaria e também lembraria, e assim eu refletiria, e eu falaria para que todos pudessem me lembrar.
Poderia começar dizendo, da minha trabalhosa infancia, do meu casamento precoce ,ou da desilusão amorosa.
Poderia dizer que me perdi de meus familiares, e me achei com amigos, que se tornaram parentes.
Poderia dizer também que esqueci de viver, pra me lembrar de filhos que não tive,
pra ser amiga ,pra ser mãe, e avó de pessoas que me adotaram.
Tudo isso me lembraria se nesse momento pudesse. Mas refletiria assim se também pudesse;
Fui eu abençoada, por ter vivido gerações de filhos de uma família amiga?
Eu ajudei na criação de cada um deles ,isso me torna parte da família ,ou apenas espectadora dela?
Presenciei meninas que se tornaram mulheres, meninos que se tornaram homens,
fui advogada e cúmplice, de cada um, fui companheira e muitas vezes conselheira.
Será que fui importante para eles? Será que eles se lembram disso e me consideraram assim?
Posso dizer que tive uma vida? Posso dizer que fui amada? Posso dizer que tive família?
Eu tive uma vida? Ou pela vida de outros eu tive uma história? Fui eu um alguém, ou apenas uma sombra?
Não tive filhos.....,ou tive ?
Eu tive um amor?
-Não....,fui solitária....,mas fui solidária, isso me deu felicidade?!
Lembrei de mim? Cuidei de mim? Eu vivi?
Poderia dizer que minha vida estava se acabando ,sem saber que ela nem havia começado?
Quando fiquei doente eles cuidaram de mim, mas tiveram a paciencia que eu tive com eles?
Eu dei muito trabalho pra eles, será que fiz de propósito, afim de que soubessem o trabalho que me deram?
Magoei a todos eles, porque eu era má? Ou porque queria ser algo que nunca fui, uma pessoa de opinião?
Eu também fui muito teimosa ,mas porque?
Talvez porque finalmente queria fazer algo pra mim, ou por que estava” caduca?”
Eu fui ingrata, porque não reconheci os gestos de generosidade, daqueles que passei a vida inteira sendo generosa? Será que se lembram?
Posso sim dizer agradecida pela minha fé e a vida que Deus permitiu ,mas ser grata pela vida que construí pra mim?
Estas respostas vocês nunca terão!
Esta seria a minha reflexão, mas ainda assim seu eu pudesse também falaria;
Minha vida inteira, tive como companheiras, a solidão e o sofrimento ,tive filhos de quatro patas ,filho de bico e asa ,que nunca me abandonaram. Por vezes falei com eles, lhes contei histórias e chorei com eles. Me isolei ,em várias datas festivas ,e me afastei de todos, pra se juntar aos meus próprios pensamentos .Meu mundo era uma cama ,tres gatos, um papagaio, e uma televisão.
Mas para a vida que eu mesma abandonei, isso também foi muito !E junto com todo meu pouco que era tudo ,perdi também minha indepedencia!
Além de nunca ter vivido uma vida ,além de ter sido uma sombra nas vagas memórias dos que ainda me lembram ,tornei-me um fardo, sofri numa vida ainda menor que minha antiga vida. E ainda assim posso dizer que não vivi, mas sobrevivi, até o dia de ontem.
E ainda se eu pudesse, terminaria em dizer neste último momento que não tive;
Minha morte não poderia ser melhor que minha vida, e por tanto ,ter sido colocada em um caixão da prefeitura ,coberta com papelão ao invés de flores, e ter sido enterrada numa cova rasa quase que comunitária, e não ter tido o privilégio de ser velada por mais de 15 minutos, e não ter tido uma coroa de flores ,e nem uma identificação na cova. Resume toda minha história;
Fui alguém, não me lembro quando, eu vivi mas não me lembro quando, tive filhos e netos, mas também não tive ,respirei e também não vivi.



Perdoe-me por não ter sido o seu filho

Em memória de Maria de Lourdes Cavalcanti 09/08/1937 a 10/11/2015


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