EPÍSTOLA A AFONSO LOPES VIEIRA
escrevo-te
afonso lopes vieira
à beira deste mar que como poucos
soubeste cantar
e sinto que o mar chora
tal como o disseste
ao ritmo do meu sangue
não sei afonso se deva
perguntar ao mar quantas lágrimas
como pessoa o fez
de portugal são o seu sal
não sei
sequer sei se pergunta alguma cabe
num verso onde a palavra mar resista
com a palavra português
confesso a minha ignorância
mas afonso se te escrevo
à beira deste mar que nos pertence
por que não dizer da alma que o habita
por que não
pergunto a ti afonso que o cantaste
e a mim que o escuto agora aqui no verso
desta epístola
será preciso um olhar estrangeiro
para nos dizer
tal como o do mello mourão
que o mar foi por nós inventado
bem sei
vê-se melhor de fora do que dentro
sei-o bem
bem demais ou não fosse o poeta
um eterno exilado
e agora afonso o que nos resta
esta europa
desenhada a catorze estações
sem esperança
sem uma décima-quinta
que nos diga
da ressurreição
ou seja somente isto há amanhã
não afonso e tu sabes como o sabes
do canto do verde pinho
que dom dinis cantou
e como o sabes
desse canto candeia de futuro
do batel caravela nau que existe
dentro do canto
porque há um caminho uma índia
outra
a demandar
tu sabes
e por isso tu cantas este mar
nosso
de cada dia
porque sabes afonso que nós somos
como o poveiro dito por brandão
só não vamos ao mar quando a morte
é certa
e mesmo assim nós vamos sempre vamos
Xavier Zarco