Para quem tem medo, e a nada se atreve, tudo é ousado e perigoso.
É o medo que esteriliza nossos abraços e cancela nossos afetos; que proíbe nossos beijos e nos coloca sempre do lado de cá do muro.
Esse medo que se enraíza no coração do homem impede-o de ver o mundo que se descortina para além do muro, como se o novo fosse sempre uma cilada, e o desconhecido tivesse sempre uma armadilha a ameaçar nossa ilusão de segurança e certeza.
O medo, já dizia Mira Y Lopes, é o grande gigante da alma, é a mais forte e mais atávica das nossas emoções.
Somos educados para o medo, para o não-ousar e, no entanto, os grandes saltos que demos, no tempo e no espaço, na ciência e na arte, na vida e no amor, foram transgressões, e somente a coragem lúdica pode trazer o novo, e a paisagem vasta que se descortina além dos muros que erguemos dentro e fora de nós mesmos.
E se Cristo não tivesse ousado saber-se o Messias Prometido?
E se Galileu Galilei tivesse se acovardado, diante das evidências que hoje aceitamos naturalmente?
E se Freud tivesse se acovardado diante das profundezas do inconsciente?
E se Picasso não tivesse se atrevido a distorcer as formas e a olhar como quem tivesse mil olhos?
“A mente apavora o que não é mesmo velho”, canta o poeta, expressando o choque do novo, o estranhamento do desconhecido.
Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia: e se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.
Fernando Teixeira de Andrade (1946-2008), professor de literatura.
Art by Michael Cheval: «Eternity of Absurdity. Bunfight with Copernicus»