PARIS
as aves em paris especialmente
aqui na rive gauche têm um canto
distinto qual poeta que demanda
a sua voz seu ritmo aquele timbre
que dará ao poema a assinatura
precisa que o cartório notarial
todo e qualquer um sempre dirá ser
a marca que distingue certo autor
quem procura há quem diga sempre encontra
mas as aves aqui nada procuram
estas ou outras aves não carecem
de poetas poemas ou palavras
sequer de vagamundos que lhes digam
que as aves em paris da rive gauche
têm um canto distinto simplesmente
são o que são e basta não precisam
nem de nome ou que cantam enfim não
nada do que é humano lhes diz algo
talvez milho atirado pelo chão
ou um olhar vazio e sem destino
fantasia de aedo fantasia
de quem busca nas aves o que não
encontra entre os homens mas as aves
sabem de cor edit piaf sabem
de cor toulouse lautrec todas elas
sabem da voz do gesto das palavras
já ditas ou por dizer pelos poetas
as aves sabem sabem até do
silêncio que ancestrais árvores guardam
nos meandros da sua própria seiva
mas o que sei eu nada em rigor nada
nada de aves poemas ou palavras
que queiram dizer mais do que nos dizem
quando pelas paredes da memória
escorrem para a boca ou para as mãos
que as escrevem a mim só interessa
que em paris minhas unhas como ao mário (1)
sejam polidas sejam envernizadas
pelo melhor verniz e que o jornal
me diga de outro mundo e não do meu
Xavier Zarco
Notas:
(1) SÁ-CARNEIRO, Mário de – Obra Poética, Publicações Europa-América, Mem Martins, s/d, p. 100.