MADRID
não seria preciso vir a atocha
e chegar cerca ao bosque del recuerdo
que antes tinha por nome los ausentes
para saber como é tão precioso
cada instante que temos a viver
nenhum outro restaura o não vivido
talvez por isso aqui me perca e sinta
por entre as oliveiras e os ciprestes
com o rumor das águas bem presente
que urge beber meu tempo à saciedade
tudo enforma de efémero e imprevisto
mesmo que a morte seja um recomeço
não um fim mas o tempo que se perde
esvai-se não regressa não é pássaro
pousado à espera à espera que o escutemos
não é possível tê-lo por exemplo
guardado numa gaveta qual toalha
de linho que se estende sobre a mesa
pelos dias de festa não o tempo
não se acomoda ao nosso tempo o tempo
é mesmo como a areia que nos foge
entre dedos tem asas e esvoaça
veloz que ao recordarmos desta nossa
letargia do dia a dia nada
resta e nada nos resta que não seja
deixar em branco a página do instante
e há que escrever na página do instante
fazê-lo sempre e sempre intensamente
porque fazê-lo sempre é viver mesmo
mesmo que se repita o que o poeta
disse porque aqui estou cerca do bosque
del recuerdo a vida é tão irreal como (1)
a morte viro as costas e regresso
à estação de comboios edifício
alberto de palácio ferro vidro
palavras e palavras na memória
mas não era preciso vir aqui
estar aqui no bosque del recuerdo
para acender em mim quão urgente é
fruir cada momento que me cabe
Xavier Zarco
Notas:
(1) BRITO, Casimiro de – Arte da Respiração, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1988, p. 37.