COIMBRA
os braços do poente ajeitam-se à
almofada por onde os olhos pousam
aguardam pela face do sol lá
rente às aves da luz crepuscular
uma aguarela nasce onde o poema
encontrara a semente para o verso
inaugural mas voam as palavras
para dentro do gesto da paleta
da própria imensa tela do mondego
e verso algum deseja ser escrito
o vero verso é esta intensa luz
que brota do silêncio murmuroso
das águas que caminham para onde o
sol se deita e o poeta se recolhe
à cidade trazendo consigo as
palavras que sobraram trá-las dentro
da algibeira do próprio coração
para que todas saibam do seu ritmo
com que insano procura incendiar
os pássaros que dormem nos seus versos
o largo da portagem chama ao fogo
da memória os caminhos de miguel
torga escuto-lhe os passos como se
na invisível ramagem de um poema (1)
e vou pela ferreira borges dentro
em demanda do arcádia que não há
engolido que fora pelo tempo
resta-me o que ficou preso à memória
qual manta que se tece sem saber
como este aroma intenso do café
e vejo o rio o verso miguel torga
e sento-me no arcádia no poema
do garcía martín para esboçar (2)
o regresso ao mondego onde uma barca
cumpre com seu ofício de rasgar
as águas também sinto que me cumpre
cumprir o meu ofício e ser qual barca
que navega mondego abaixo onde aves
silhuetas dispersas na paisagem
debicam o meu próprio coração
Xavier Zarco
Notas:
(1) - TORGA, Miguel – Poesia Completa, Publicações Dom Quixote, 2.ª Edição, 2002, p. 606.
(2) GARCÍA MARTÍN, Jose Luis – Treinta Monedas, Ateneo Obrero de Gijón, Gijón, Espanha, 1989, p. 64.