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Óleos sobre a Tela"

 
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O menino que não tinha mãos, podia voar. Ele vivia no ar, suspenso por coloridas bolhas de sabão.
Nos cabelos de sol do menino, passarinhos faziam os seus ninhos e os velhos lagartos contavam histórias antigas de quando o mundo ainda não passava de uma imensa bola de fogo.
As águias sábias do céu viam o menino sereno voando pelos telhados, enrolado em esvoaçantes panos de seda e estranhavam o facto dele não ter mãos.
- Não tenho não... - O menino sussurrava com voz de vento - E nem preciso delas. Pra quê? Eu posso voar.
As águias seguiram, então, o seu caminho pensando que aquela era a verdade mais bonita que elas já tinham ouvido.
Se vinha a chuva, o menino cobria o seu corpo miúdo com girassóis. E os girassóis em prece, curvados e humildes, chamavam pelo Sol.
E o soberano Sol, prontamente, rasgava o firmamento, nascendo corado e quente. Aquecia o coração do menino, que dando cambalhotas descia veloz numa nuvem de cores - o arco-íris.
- MENINO SEM MÃOS, PINTA UMA MANHÃ PRA MIM? - Eu lhe pedi certa vez.
E o menino lançou com os dedos dos pés os seus pincéis e as suas tintas e deixou no fim da noite um brilho de manhã com cheiro de rio e de relva bem verde.
Ele pintava a simplicidade de viver.
Os velhos lagartos admiravam a arte do menino dos cabelos de sol. E aprovavam o que viam.
O menino sem mãos ensaiou um passo de balet e ás voltas brincou em ser pirilampo. O seu girar do pião cavou um poço profundo e o menino foi no coração da Terra colher as brasas...
Não trouxe brasas, trouxe uma noite estranha no rosto e a alma mergulhada em sombras. O menino viu a fogueira - segundo os velhos lagartos, o começo de tudo - e isso o deixou assustado. Era melhor nunca ter ido lá, ele pensava agora.
As águias voltaram.
- Sábio o menino sem mãos! Somos águias novas, filhas das outras águias que por aqui passaram um dia.
- E eu sou um novo menino, que agora só sei pintar com carvão.
E ele mostrou para as águias os seus veleiros negros,as suas noites escuras,a sua solidão.
As águias pousaram. No chão, em fila indiana, elas foram passando com as suas asas estendidas, abençoando o menino.
- Não existe mistério nenhum, menino. Tu só estás crescendo. - Elas ficavam repetindo em coro, enquanto o abençoavam.
E o menino foi pouco a pouco sorrindo, foi pouco a pouco saindo do corredor escuro. Já no trampolim, ele ainda teve tempo de dar três saltos antes de mergulhar na fraca claridade da mais novata das manhãs. Fazia um dia frio. O céu era cinza e pingos de chuva furavam a terra.
E os girassóis? O menino bem procurou por eles, mas não encontrou mais nenhum.
Os lagartos agitavam-se, nervosos, no meio dos cabelos de sol. Eles exigiam uma revolução.
- Tu deves lutar! - Eles gritavam para o menino com as suas vozes roucas de milhões e milhões de anos.
E o menino ficou forte mais uma vez e conseguiu pegar nas suas tintas novamente. Ele pintou luas no espaço. Fez um caminho bem laranja rasgando a barriga do céu ao meio e a partir daí, enlouquecido, foi criando: estrela com cinco bicos, uma nuvem enrroladinha, uma ponte de marfim, um carrossel de cristal, um carro todo de ouro, um corpo nu e sua aura, uma vida de verdade. Como ele ficou feliz!
Depois de tanto trabalho, ele foi se deitando no chão. Era hora de descansar. E ele começou a ter luz, uma lembrança boa... um silêncio.
Ao longe, uma harpa ao longe tocou uma canção lamentando a partida do menino.
A harpa não sabe, mas ele não partiu. Logo amanhece de novo. O artista é cíclico. As coisas acontecem sempre desse modo. O mundo dá as suas voltas num gira sol infinito, alternando as pinceladas de luz e sombra nos rostos humanos.
O Tempo não tem pressa. Na verdade, ele é um grande sábio, que enquanto vai compondo manhãs e noites, deixa o menino sonhar sonhos bons, para poder acordar em breve e continuar a sua arte. Colorindo telas, estrelas, pensamentos. Misturando cores: amarelo com vermelho, fatias tênues de vida com sorrisos rubros e francos de melancia... Magia Pura - Pura Poesia.

E.L.

2008/4/02


E.L.

 
Autor
Emilia Lamy
 
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