Poemas : 

A viagem

 
Vivo numa casa que anda, a terra é a casa que anda. Nunca me lembro de ficar no mesmo lugar. A minha mãe vive triste de ter sempre de fazer tantas viagens que o meu pai é obrigado a fazer como funcionário de um banco. Gosto de mudar de lugar, não me vou despedir dos meus brinquedos. No ultimo natal recebi carros de plástico com rebuçados no interior, fiquei revoltado queria uma pista de carros, mostrar na missa do galo ao cristo crucificado a minha nova pista de automóveis mas recebi aquele brinquedo horrivel, também não gostava daqueles rebuçados. Porque não recebi uma pista de automóveis, as pistas de automóveis não fazem mal aos dentes. Uma vez não tinhamos comida e distribuiram por mim e pelos meus quatro irmãos aqueles pegajosos rebuçados com pão. A minha mãe fechava-se no quarto e abria uma garrafa de vinho, depois saia do quarto e metia as mãos á volta do pescoço do meu pai, ele ficava sempre gelado, parecia perguntar á boca se podia sorrir. O meu pai veste sempre um fato cinzento sujo, nós temos muito medo dele. A minha mãe também não me deixa viver , não me deixa sair porque o ar me pode fazer adoecer.
Fico num canto a imagina que sou de outro planeta, brinco com o meu irmão, a minha mãe fechou a porta á chave e saiu para pagar uma divida por causa do meu irmão mais velho que está doente, brincamos sempre como se ele fosse o meu inimigo e eu o mata-se . Quando a minha mãe chega a casa ele está morto ao meu lado, todos os meus irmãos morreram vitimas da doença que não tem explicação. Faz pouco tempo a minha avó veio viver lá para casa, a minha avó é a senhora das pulgas, é insuportável sentar-me ao colo dela, ter de suportar as pulgas e aqueles beijos pegajosos como os rebuçados que recebia no natal. Hoje na aula de ginástica mexia-me mais que o habitual, o professor de ginástica é um coronel do exercito muito estimado pelas irmãs do colégio que frequento, o colégio da imaculada humilhação, contava que me mexia muito a pontos de me amarrarem a uma cadeira, tinha espíritos, certamente espíritos que saltavam, mais tarde quando a banheira tinha água a minha mãe me agarrava como a um frango que vão depenar e que antes o mergulham em água muito quente, eu no banho e as pulgas a terem aulas de natação. A minha avó é costureira, ela tem uma máquina de costura muito velha, enquanto costura reza o terço, nunca vi uma máquina de costura a trabalhar ao som do terço. Estou a alguma distancia dela, o Jeremias o gato da vizinha é que fica por perto, talvez ele seja o transportador de pulgas da minha avó. O transportador de pulgas tem o mesmo nome do Senhor padre que costuma frequentar a casa é a minha avó que costuma tratar das roupas do oficio religioso, ele olha sempre para mim com um ar severo, parece que está sempre a apontar o dedo qualquer dia vais furar o mundo penso eu. Das coisas que não gosto é da escola, de ir á missa, do óleo fígado de bacalhau e do meu pai a ensinar aritmética á minha irmã os dois iluminados pelo candeeiro de petróleo esta minha casa agora não tem água nem luz eléctrica, a minha irmã apanha cada estalo do meu pai que o sangue é projectado para as paredes, o meu pai a esbofetear a minha irmã parece aquele maestro, o karajan a levar no movimento dos braços a orquestra, a minha irmã não pára de gritar, toda a casa anda em alvoroço, a minha mãe e a minha irmã parecem cavalos desnorteados, a minha avó é um cavalo com pulgas. Sexta feira 14 de Março de 1966 eu a minha mãe e o meu pai fazemos a viagem de comboio pela linha de trás os montes, estamos num compartimento de terceira classe, outro dia sonhei que a minha irmã corria pelas carruagens com a cara a escorrer sangue eu corria a tentar apanha-la mas esbarrava com a minha avó que me culpava por ter deixado fugir os seus bichos de estimação, acordo cheio de humidade e passo o dia ouvindo a minha mãe e e a minha avó a massacrarem-me que já não tenho idade para fazer chi chi na cama, muitas noites dormia nu na banheira da casa de banho, estou a imaginar-me como se estivesse dentro de um barco e fosse á deriva. Minha mãe marcou uma consulta no psiquiatra, ele pergunta o meu nome mas é a minha mãe que responde, ela sempre acha que sabe o que penso e o que sinto mas o que penso e o que sinto é que eles são todos animais ferozes e eu não posso escapar, ela não sabe que me está a anular. O médico é um tipo velho, tenho um pouco de medo dele mas não sou capaz de gritar, no céu passa um avião parece que se vai despenhar, caminho com a minha mãe pelo corredor do consultório, mais umas balas no meu cérebro, Balas cor de laranja para dormir, oiço o televisor, o velho televisor, parece um velho morto sentado numa cadeira aquilo que a televisão me parece, está a chover, dentro de casa há um rato, o gato vai ter jantar, na casa em frente a vizinha tem uma criada que ela trouxe de África, trouxe-a do mato capturada como um animal, não lhe dá de comer, dá-lhe comprimidos para a fome, no armário da casa de banho tem muitos desses comprimidos que o marido dela que é medico costuma trazer para casa. O Dr Dias anda a tratar a minha avó, parece que ela tem a doença do segredo, não se pode perguntar nada as crianças não precisam saber, acho que ela tem a doença do disco riscado, acho que não há nenhuma vacina, ela parece que tem todas as vacinas em dia e sendo assim ou não há o dia em que a encontro sentada na sanita morta da Silva, não sabemos qual foi o diagnostico, mas pessoalmente a causa da sua morte foi de certeza absoluta um problema na caixa de costura, a minha avó assim como toda a familia tem o cerebro descosido
A situação pior lá em casa é o meu tio que mora a cem metros da nossa casa, costuma organizar sessões espiritas e passa a maior parte do tempo a provar que há uma relação entre a pornografia e o espiritismo, esse tio é uma pessoa que me causa nojo. gostava de perguntar se nascemos para viver rodeados de monstros e temos de chamar a isso a nossa familia, Os budistas dizem que escolhemos a nossa familia, não me lembro de ter encomendado, nem de ter ido á farmacia aviar. No dia do velório da minha avó o meu pai quis que fosse feriado lá em casa, o meu pai e ela não se davam muito bem mas os mortos sempre foram boas pessoas e como diz a minha mãe os mortos não incomodam, o meu pai preparou um discurso e até representou alguma tristesa, ele engraxava a minha avó e eu imaginava ela com vontade de mexer-se e talvez o fizesse se as pulgas tivessem ido ao velório mas naqule dia a familia esmerou-se nas limpezas. Estou agora a fazer a viagem num fiat 600, aquele carro é um passador de cães e de galinhas sobretudo galinhas, o meu pai já bateu várias vezes no atrelado do leiteiro, uma imagem bonita aquele leite todo na estrada, o meu pai e ele discutem e a minha mãe grita com a minha irmã mais nova que grita por causa dos dentes, o meu pai e o leiteiro encontram-se no tribunal, o meu pai tem de pagar duzentos reis e naquela noite se inicia o problema de alcoolismo do meu pai, o meu pai tinha um fiat 600 a andar aos bocados era assim que a minha defunta avó costumava se referir ao carro - Era melhor o teu marido ter comprado uma máquina de costura atirava ela aquela ópinião para cima da minha mãe e a minhã mãe perguntava se as máquinas de costura andavam nas auto estradas e qual era o combustivel, eu olhava a minha avó e a minha mãe , elas pareciam duas pobres Senhoras de um teatro Vitoriano, o meu pai continuava a beber, continuava a matar galinhas e a ordenar á minha mãe que lá em casa não mais entrasse carne de vaca, por causa disso eu pensava que não mais teria de beber leite uma coisa que me dava vómitos mas o meu pai nos momentos de duvidosa lucidez vinha com aquela moralidade de que o leite faz crescer e de que ele era o policia da casa. Estou a sobrevoar a ponte, por baixo da ponte a linha férrea, estou a sonhar com o meu nascimento, perto da casa há uma fábrica de refrigerantes, quando não está ninguem parece uma casa assombrada, nunca entrei lá quando não há ninguem , nunca vi fantasmas a beber refrigerante, nem me atrevi a perguntar, o meu pai tinha sempre respostas na palma das mãos, não se pode brincar com o sagrado, fantasmas a beber refrigerante que deve ser a água benta das almas possuidas pelo demonio dos citrinos. Neste ano por causa da tuberculose estamos no ano de 1969 o meu pai foi internado num sanatório de primeira classe, tudo pago pelo banco onde ele trabalha, ali tudo é do melhor, a comida, o acompanhamento médico. Nos outros sanatórios acontece os doentes lançarem comida pela janela dos quartos, De uma das janelas um homem canta a internacional e nesse dia morre, há uma linha de sangue a cair da parede para o passeio, nesse dia também uns homens da policia o vinham buscar, mas vinham atrasados, vou correr para casa, talvez chegue o meu tempo de crescer e de voar, faz muito calor apetece-me um gelado, desejo ser rico para poder comer todos os gelados, gosto dos carros que vendem gelados e gostava de conduzir a mota dos gelados, os homens dos gelados com aquelas calças e camisa branca parecem eu quando fiz a primeira comunhão, pode ser que os homens dos gelados frequentem a catequese, o meu vizinho era vendedor de gelados, agora está preso, matou a mulher, encontrou a mulher com o carteiro, estavam os dois a comer gelado, no jormal vinha a fotografia dos corpos sujos de gelado de morango.
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poetaemviagem
 
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