21 de Novembro de 2007
É do extenso areal da praia do Estoril que te escrevo.
As ondas do mar tocam-me levemente na ponta dos pés como num beijo apaixonado. O céu não está manchado por nenhuma nuvem e o sol vai-me aquecendo lentamente. Ao largo, um pequeno barco ruma para um porto meu desconhecido e o horizonte estende-se numa linha sem fim.
Escrevo-te para te contar como ajudar alguém nos ajuda a sermos pessoas melhores. Escrevo-te para te perguntar onde está a dignidade humana, onde estão os valores morais da nossa sociedade. Escrevo-te porque me sinto revoltada e desiludida. Não com o mundo, que é belo, mas com as pessoas, que conseguem ser horrendas.
Numa manhã, enquanto tomava o pequeno-almoço num café, tristemente, me apercebi que neste mundo, que se diz solitário, reina ainda a hipocrisia e o egocentrismo. Já não sei que horas eram, já não sei se foi hoje ou ontem, ou outro dia qualquer, já não sei o nome do café. Não, desculpa, não te posso mentir. Sei muito bem as horas que eram, sei o dia em que foi e sei o nome do café, mas não é isso que importa. Antes pelo contrário, esses pormenores são insignificantes perante tudo o que aconteceu. Não houve nenhuma tragédia, nenhuma catástrofe natural, nem nenhuma morte. Houve, apenas, uma injustiça, um profunda falta de humanidade e um olhar triste num rosto de um homem.
Sentada junto à vidraça, esperava que me trouxessem o pequeno-almoço e olhava para o mar, desejando partir com ele para algum lugar. Embora estivesse tão perto, sentia-o longe, porque, por mais que o tenha ao meu lado, nunca o terei de facto. À medida que estes e outros pensamentos me assaltavam a mente, entrou um homem alto, de cabelo loiro e olhos claros. O casaco bege evidenciava o passar dos anos, os óculos finos no rosto faziam-no mais magro, mais velho, e as palavras, proferidas a medo, demonstravam óbvios problemas de expressão. Junto às vidraças daquele café, estavam cinco pessoas, incluindo eu. Avançando por entre as mesas e por entre as cabeças baixas dos que, serenamente, permaneciam incólumes no seu casulo, o homem foi pedindo dinheiro para comer alguma coisa mesmo ali. Mas, sempre que se aproximou de uma mesa, ninguém levantou o olhar e o enfrentou de frente. Cobardes, ninguém foi capaz de ver um retrato do mundo real. Hipócritas, preferiram ignorá-lo a dar-lhe algum tipo de resposta. Desumanos, mantiveram-se intocáveis nas suas redomas de vidro, julgando-se felizes talvez, como diria Pessoa.
Por fim, veio ter comigo. Os seus olhos eram bonitos, lembravam a maresia, mas, faltavam-lhe um brilho. E a essa ausência juntava-se-lhe, talvez, a desilusão e o cansaço. Paguei-lhe o pequeno-almoço. Ele sentou-se na minha mesa e retribuiu-me contando-me um pouco da sua vida, ainda curta, mas já dorida e envelhecida. Quando saiu, agradeceu-me pelo gesto que tive, e, de barriga e alma cheias, partiu com um brilhozinho nos olhos. Fiquei a vê-lo desaparecer ao longo da avenida. Desconheço o seu nome. Desconheço o seu rumo. Desconheço o seu futuro. Mas sei que ele me deixou mais rica.
É do extenso areal da praia do Estoril que te escrevo.
É do extenso areal da praia do Estoril que te digo adeus.
E.L.
E.L.