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OS EMPAREDADOS DE SANTA CRUZ

 
 
Romance baseado em fatos reais.
Fotografia em: http://www.pcoelho.prosaeverso.net/visualizar.php?idt=5375927

Livro com aproximadamente 240 páginas, conta a história de amor, e a saga vivida pelo casal de jovens Isabela e Antonin, entre os anos de 1709 e 1711. O amor impossível, não tirou nem de um nem de outro
qualquer possibilidade de se amarem. O romance viaja pelas invasões francesas, na segunda mais importante capitania do Brasil
Colonial, a capitania de São Sebastião do Rio de Janeiro. Mostra também, a inauguração da nova Estrada Real -1709, e a fantástica viagem da jovem Isaura e Diogo, recém-casados, seguindo
para Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto (atual Ouro Preto).

Espero que gostem,


Boa leitura!



OBS. O livro está em fase de editoração e em breve poderá ser encontrado nas livrarias.



Capítulo 2


CONHECENDO O AMOR



Isabela havia trocado olhares apenas, uma vez com o recém-chegado soldado, mas isso fora suficiente para que se apaixonasse pelo rapaz. Ficava visível para suas irmãs o interesse de Isabela pelo setor da fortaleza que abrigava os estrangeiros, principalmente quando fazia a seu pai vários tipos de perguntas, tentando saber mais sobre os artilheiros germânicos da fortaleza.

Os artilheiros estrangeiros eram contratados na cidade de Hamburgo, na Alemanha. Logo que chegavam ao Brasil eram tratados como mercenários, e alguns deles passaram toda a vida obrigados a trabalhos forçados, acorrentados uns aos outros, numa espécie de castigo, à época, denominado “carrinho”.

A filha mais nova do comandante, Capitão Manoel Bastos de Tavares, jamais encontrou coragem para partilhar seus segredos e sonhos de amor com suas irmãs; assim, passava horas se imaginando nos braços do soldado de quem sequer o nome conhecia.

Na fortaleza, o domingo era o dia da única possibilidade para que os olhares dos jovens se encontrassem. Pois toda a corporação, na época composta de sessenta e quatro homens, era obrigada a assistir à missa dominical, rezada pelo Senhor Potyguara Francisco de Jesus, sargento capelão.

O capitão-comandante, esposa e filhas ocupavam a primeira fila de bancos da pequenina capela de Santa Bárbara. A santa trazida de Portugal fora talhada em madeira no tamanho real e reza a lenda que, sempre em que se pensava em transferi-la para outro local, o mar se tornava revolto a tal ponto que impedia o seu transporte. Decidiu-se, então, que a imagem da santa ficaria definitivamente naquela fortaleza.

As outras poucas fileiras de bancos, atrás da do comandante, eram ocupadas pelos dois tenentes e suas famílias, um subtenente e os dois sargentos com suas respectivas esposas e filhos. Antonin e mais oito artilheiros germânicos, assim como o restante da tropa servente de soldados brasileiros, assistiam à missa do lado de fora da capela.

Quando a missa terminava, toda a corporação caminhava em direção ao pátio de onde vislumbravam uma das paisagens mais lindas do mundo.

A grande pedra (Pão de Açúcar) parecia tão perto que dava a impressão de que, se esticassem os braços, poderiam tocá-la. O mar azul de águas por vezes revoltas parecia hipnotizar até mesmo ao severo comandante, por tamanha beleza. O vento batendo nas árvores, algumas vezes, parecia assoviar algum tipo de canção e foi neste cenário deslumbrante que Isabela se viu pela primeira vez frente a frente com o soldado Antonin.

Ela, ruborizada, mãos trêmulas, e olhos tão brilhantes que pareciam refletir a luz do sol. Ele, paralisado diante de tanta beleza! Enquanto todos se maravilhavam com a paisagem, os jovens aproveitavam para, além de olhares, trocarem alguns sorrisos e um demorado aperto de mãos.

Antonin, até tentou esboçar alguma palavra para dizer como a donzela era linda, mas logo se calou ao perceber que ela não o entenderia.

Ali, os jovens tropeçaram em sua primeira e grande barreira, a língua. Dia seguinte, o jovem soldado procurou um dos seus compatriotas, que veio para o Brasil dois anos antes que ele, e contou-lhe da sua necessidade de aprender a língua portuguesa o mais rápido possível.
Naquele exato momento, o artilheiro alemão cabo Kléber iniciou, para o jovem soldado, a tradução das palavras que mais necessitaria entender. Kanone (Canhão), Yes, Sir (Sim, Senhor), Invaders (Invasores). Quando foi chegando lá, pela vigésima palavra, Antonin pediu ao amigo compatriota, o significado de schöne Mädchen.

Kléber respondeu-lhe sorrindo: — Moça linda! Pediu que repetisse mais algumas vezes, tentando imitar os sons que chegavam a seus ouvidos. As aulas de português continuaram durante muitas noites, principalmente quando todos já se encontravam recolhidos.

Ao mesmo tempo, Isabela se lembrou de que na biblioteca de sua casa havia dicionários de francês, espanhol e alemão. Isto porque seu pai, sendo o comandante da fortaleza, constantemente necessitava consultá-los para se fazer entender ao passar suas as ordens, como também para entender ao menos algumas das palavras, quando os soldados estrangeiros conversavam entre si.

Havia certo receio de que aqueles soldados pudessem combinar entre si algum tipo de rebelião. Mesmo que deixasse bem claro para todos que tal ato seria castigado severamente com a morte.

Isabela foi até a biblioteca pegou o dicionário, abriu na letra “O”. Quis saber como que se dizia em alemão, olhos azuis “blauen Augen”, depois, procurou pela palavra muito “sehr”, e pela palavra prazer “Vergnügen”.

Os dias da semana nunca estiveram tão longos para aqueles dois, embora fossem tempos apreensivos, pois havia boatos de que os franceses pretendiam organizar a segunda grande invasão à colônia mais rica de Portugal.

O Rio de Janeiro havia-se tornado alvo de cobiça dos reis europeus, principalmente após a construção da nova estrada que ligava o Arraial de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto (atual Ouro Preto) àquela que era considerada a segunda mais importante capitania do Brasil Colonial.

Isabela possuía algo semelhante a um diário e nele, todos os sentimentos, todo o reboliço que aquele rapaz lhe causava ia sendo escrito. Além do mais, a monotonia tomava conta da parte da fortaleza que servia às famílias dos oficiais, principalmente na casa do comandante, que ficava ainda mais isolada das casas dos demais oficiais. Havia um grande e alto muro entre elas.

Tão altos quanto este, outros muros também separavam a ala dos alojamentos dos soldados artilheiros e serventes brasileiros da ala dos alojamentos dos artilheiros estrangeiros e, de todos, das residências dos oficiais.

Bastaram mais dois descuidos de domingo, para que os jovens descobrissem um modo eficaz para se comunicarem. Isabela entregou ao soldado um pequeno papel no qual havia escrito, e traduzido para o alemão, que poderiam conversar através de bilhetes, que ela sempre deixaria no primeiro buraco do muro que separava sua casa da ala dos alojamentos dos artilheiros estrangeiros.

Este muro ficava nos fundos do seu quintal e havia ali um pequeno jardim. Isabela sempre visitava as flores desse jardim e, assim, ninguém desconfiaria de suas conversas com o jovem Antonin.

Entregue o bilhete, despediram-se com mais um sorriso, com ela tentando dizer (Blauen Augen). Ele, esboçando um sorriso, retribuiu o carinho falando de um modo engraçado ‘Moça Bonita’! Isabela quase deixou escapar uma risada quando ouviu aquelas palavras com o pesado sotaque alemão, mas desviou rapidamente o olhar para suas irmãs e foi ao encontro delas.

— O que você estava conversando com o estrangeiro, não sabe que papai proibiu qualquer tipo de contato com eles?

— Apenas nossos caminhos se encontraram. Eu disse bom dia e ele falou algo que não entendi, por isso, sorri. Fiquem tranquilas, foi apenas uma coincidência.

— Estamos vendo a coincidência. Cuidado! Sabes muito bem do que o nosso pai seria capaz se a descobrisse conversando com estranhos, principalmente, se o estranho for um soldado e, para piorar, um soldado estrangeiro.

Isabela sabia o quanto seu pai era severo. Sabia que jamais permitiria tal namoro. E pelo modo de pensar de seu pai, se alguém ali tivesse de ser cortejada, haveria de ser Iracema, sua irmã mais velha, que já estava com 21 anos de idade.

Chegando ao alojamento, Antonin se dirigiu ao banheiro retirando do bolso o bilhete escrito em português e em alemão.

Tudo isso é uma loucura, mas encantei-me com seus lindos olhos azuis. Meu nome é Isabela. Como é o seu? Todo dia, dirija-se até o muro que separa minha casa da ala onde você dorme. Verifique, por favor, no primeiro buraco que serve de escoamento das águas das chuvas que, por lá, sempre que puder eu deixarei algum tipo de bilhete. Seja discreto, mas não se demore com a resposta. Vou esperar, ansiosa.


Ankunft in der Unterkunft Antonin, geht ins Bad entfernt das Ticket aus der Tasche in Portugiesisch und Deutsch geschrieben. "All das ist verrückt, aber bezaubert mich mit ihren schönen blauen Augen. Mein Name ist Isabela. Was ist Ihre? Jeden Tag, den Kopf an die Wand, die meine Heimatgemeinde, wo Sie schlafen trennt. Bitte überprüfen Sie am ersten Loch, das als Wasserscheide der Regen dient, gibt, kann man immer verlassen eine Art von Ticket. Seien Sie vorsichtig, aber nicht mit der Antwort zu verweilen, denn ich bin sehr gespannt.

Isabela entendeu que deveria escrever os bilhetes nas duas línguas, pois isto facilitaria o aprendizado do rapaz em falar o seu idioma, e pede a ele que o faça da mesma forma sempre que lhe enviar alguma resposta.

Antonin não acreditava como aquela donzela tão linda, de pele morena, cabelos negros e de corpo tão esbelto pudesse gostar de um simples soldado estrangeiro que, na hierarquia portuguesa, era o mais desprezado da tropa.

Ficou por ali, tentando se lembrar de alguns detalhes: do sorriso, do olhar penetrante e todo o resto da beleza da jovem, que, agora, sabia chamar-se Isabela.

O soldado aproveitou a tarde de domingo para ir até a mesa destinada aos estrangeiros, que quisessem escrever a seus parentes. É lógico que esse espaço da fortaleza servia, apenas, para que os soldados emigrantes pudessem aliviar as lembranças, pois a tristeza de estarem tanto tempo longe de casa fazia com que eles perdessem o interesse em permanecerem como lutadores de uma pátria que não era as suas.

É lógico também que tais cartas jamais chegariam aos seus destinos. Todas depois de lidas eram devidamente queimadas pelo próprio comandante.

Sentado à mesa, Antonin escreveu:

I durch ihre Schönheit, ihr Lächeln, ihre Haut, ihre Haare, und vor allem die Art und Weise seiner Suche bin erstaunt, mich ein wenig zu vergessen Grundstücke und entfernten Verwandten für jetzt, muss ich leiden unter Heimweh. Du bist schön! Und mein Name ist Antonin.

Depois pediu para seu compatriota e amigo confidente, cabo Kléber, traduzir para o português exatamente aquilo que ele havia escrito. E assim, o amigo escreveu.

Estou maravilhado com sua beleza; seu sorriso, sua pele, seus cabelos e, principalmente, com o seu modo de olhar que me faz esquecer um pouco da terra e dos parentes que, por agora distantes, me trazem muita saudade. Você é linda! E o meu nome é Antonin.

Ainda naquela noite, Antonin se dirigiu ao tal vazadouro combinado e lá deixou a resposta ao bilhete de Isabela. Ansiosa por resposta, Isabela foi ao jardim logo que amanheceu o dia. Suas irmãs estranharam, pois ela era sempre a última a acordar, e naquele dia fora a primeira.

— O que está fazendo tão cedo no jardim, Isabela?

— Hoje perdi o sono logo que amanheceu e resolvi dizer bom dia para as minhas flores preferidas, Isaura (filha do meio do casal Tavares).

— Muito estranho, não acha Iracema? Logo a Isabela, a quem sempre temos de acordá-la para as aulas de piano da mamãe...

— Nada de estranho, apenas incomum.

Com este argumento, ela despistou a desconfiança das irmãs, rezando para que as duas voltassem logo para dentro da casa.

E, assim, sem muita conversa, elas chamaram Isabela para entrar, e dirigiram-se ao salão, onde a mãe já as esperava.

Neste momento a jovem finge acariciar alguma flor, caminha e leva sua mão até o vazadouro sentindo que lá havia algo. Retirou o bilhete, escondeu por entre suas roupas e seguiu apressada para o interior da casa.

Isabela, que não se aguentava de curiosidade, fingiu necessidade de ir ao banheiro, lendo maravilhada tudo que Antonin havia escrito.

Ao contrário de Antonin, Isabela não teve tempo para ficar sonhando com o rapaz; depois de ler a carta, retornou rapidamente para junto de suas irmãs.

Mas, depois do jantar, pediu permissão a sua mãe para ir até o escritório do pai, pois estava interessada na língua francesa. Isabela mentiu, pois o que ela queria na verdade era se aprofundar cada vez mais na língua do seu enamorado. Chegando ao escritório, traduziu para o alemão tudo aquilo que já havia escrito em português.

Lindo o seu nome! Engraçado que me apaixonei por você assim que o vi. Sei que esse amor que sinto é um amor penoso, quase impossível. Meus pais jamais permitirão, mas algo grita dentro de mim, dizendo que devo continuar. Na verdade, não consigo ficar nem mais alguns minutos sem pensar em você e sinto que já te amo demais!

Lindo Ihren Namen! Ich glaube, ich verliebte mich in dem Moment sah ich. Ich weiß, dass diese Liebe Ich fühle die Liebe ist schmerzhaft, meine Eltern würden niemals zulassen, aber etwas in mir schreit Sagen, ich sollte fortgesetzt werden. Eigentlich kann ich nicht mal ein paar Minuten ohne zu denken, Sie und ich fühle, dass ich dich auch lieben.

O jovem não acreditava no que lia. Como que aquela donzela podia ter tanta coragem para enfrentar todas as dificuldades que aquele amor proporcionaria? Escreveu, então, uma carta de amor demonstrando um intenso sentimento para com sua enamorada. Apesar de tudo, ambos conseguiam ser felizes. Sentiam-se amados, e por assim se sentirem, tudo o mais parecia não ter importância alguma. Na carta, Antonin contou coisas engraçadas que aconteceram em sua infância, como naquela vez que seus pais saíram do povoado onde moravam, para visitar um irmão enfermo na cidade de Hamburgo.

Em Hamburgo, na casa desse tio, encontrei um primo dois anos mais velho, que me convidou para nadar no rio Elba que cortava a cidade. Lá havia muitos barcos e víamos peixes a todo instante saltando fora da água como se estivessem brincando. Meu primo alugou uma pequena embarcação para passearmos no grande rio. O barco a remo foi conduzido por ele e quando remava próximo das margens, um peixe dos grandes saltou para dentro do barco, bem no momento em que eu me encontrava de pé na embarcação. Balancei o corpo para um lado e para o outro tentando equilibrar-me. Lógico que com o susto, e depois de tanto balançar, o barco acabou virando. Descemos rio abaixo e só conseguimos sair do rio quatro quilômetros adiante de onde estávamos antes. Nesses quatro quilômetros, fomos brincando mergulhando e até uma carona, agarrados em outro barco, nós pegamos. Foi um dia inesquecível aquele que passei em casa de meu tio!



E Antonin termina sua carta dizendo:

Isabela, haja o que houver, um dia, haveremos de ficar juntos para sempre!

Os dias, os meses foram passando, e a notícia de uma provável invasão francesa estava apavorando toda a tropa; por isso, o capitão-comandante mandou preparar uma grande festa para comemorar o Natal daquele ano.

O dia 24 de dezembro de 1709 era uma terça-feira, e aquela nem parecia ser a mais importante fortaleza do Brasil Colonial. Havia um ar de alegria por toda a parte, as tensões iam aos poucos se pulverizando, e os preparativos nas casas dos oficiais tumultuavam o andamento das manobras de rotina dos soldados daquela fortificação.

Naquele dia, Isabela se encheu de coragem, chegou próximo à cadeira onde seu pai estava sentado e comentou:

— O Natal é mesmo uma data mágica, data em que Jesus nasceu. Ele pregou por sua vida inteira que todos os homens eram iguais perante Deus. Pai, ao invés de cada oficial fazer sua ceia, não seria melhor que todos ceassem juntos, em volta de uma grande mesa no pátio da fortaleza? E se convidássemos toda a tropa para se juntar a nós, depois da missa de Natal, não estaríamos exercendo exatamente o que de mais importante Jesus pregou?

O comandante olhou sério para Isabela, em desaprovação ao seu comentário; entretanto, deixou transparecer um breve sorriso. Mais tarde, conversando com sua esposa sobre o que havia lhe pedido Isabela, dona Esmeralda reforçou a ideia da filha e o comandante passou a ordem para toda a tropa. Depois da missa, que todos permanecessem no pátio da fortaleza, para a comemoração do Natal.

A notícia se espalhou como raio, e logo chegou aos ouvidos de Antonin, que por aquela ocasião já entendia e falava muitas palavras em português, e que, sem demora, gritou lá dos seus afazeres:

— Viva a Natal!

Era uma noite esplendorosa! Poucos ventos, céu estrelado. A brisa que adentrava a igreja refrescava o rosto de Isabela. Percebia a jovem que Antonin não arredava os olhos dela. Isto fez com que nem visse o tempo passar e, quando deu conta de si, o capelão já estava desejando paz a todos os corações e um Feliz Natal para todos.

Na Fortaleza era proibida a ingestão de qualquer bebida alcoólica, sob pena de castigo; entretanto, naquela noite foi servido um copo de vinho a cada um dos presentes, inclusive Isabela pôde degustar seu cálice de vinho tinto. Havia muita comida, refrescos de limão, de laranja, e doces à vontade.

No meio daquela confusão, Isabela se distanciou dos demais. Pegou na mão de Antonin se escondendo por detrás de uma grande pedra.

O medo e a ansiedade fizeram com que ela, abraçasse o seu amado e o beijasse intensamente. Sem fôlego, separaram os lábios, permanecendo, entretanto, de olhos fechados para que, numa mistura de medo e satisfação, a jovem dissesse que o amava. Outro beijo longo aconteceu desta vez, de corpos colados.

Os corações dos jovens, pouco faltou para saltarem do peito. Numa vontade incontida, Antonin deslizou suas mãos pelo corpo de sua namorada, arrepiando-a da cabeça aos pés, enquanto que todo o seu corpo estremecia de desejo.

Tudo aquilo aconteceu na velocidade da luz. Não havia se passado mais que dez minutos, embora para eles, sem noção alguma do tempo, imaginaram estar ali por mais de uma hora. Isabel correu apressada. Sentiu que suas irmãs a estavam procurando.

De longe Antonin, olhou nos olhos de sua namorada, sem que deixasse alguém perceber, menos, é claro, o amigo Kleber que tinha a certeza de que os jovens se aproveitariam do acontecimento para o seu primeiro encontro de amor.

Dia vinte e cinco de dezembro, num alemão aportuguesado, Isabel colocou no lugar combinado uma carta declarando, uma vez mais, o seu amor. Isabel tinha apenas dezesseis anos, mas sentiu toda a energia que vibrou em seu corpo naquele pequeno momento que passaram juntos.
No bilhete, a jovem comentou que iria conversar com seu pai. Tentar explicar para ele que, mesmo sabendo que não poderia amar um soldado estrangeiro, a quem muitos chamavam de “mercenário”, ainda assim, estava amando um deles, e que isto ia além de sua própria vontade.

Antonin se apavorou. Conhecia bem a austeridade do pai de Isabela, já havia visto soldados estrangeiros e até brasileiros irem parar no “carrinho” por namorarem alguma donzela sem a aprovação do comandante.

Naquela época, o recém-implantado Regulamento Militar[1] desaprovava qualquer desobediência, toda e qualquer afronta aos superiores. Na verdade, as condutas a serem seguidas naquele documento mais se assemelhavam com as que se usavam para conter as desobediências dos escravos.

O soldado que reclamasse; falasse mal, descumprisse ordens, rejeitasse os combates, instigasse ou até mesmo mencionasse qualquer desaprovação, como reclamar de uniformes velhos, acomodações impróprias, alimentação insuficiente, exaustão de trabalho, desobediência de qualquer natureza, ou se gritasse, bebesse álcool, saísse da fortaleza sem a devida autorização, namorasse sem a permissão do comandante, dentre outros absurdos, era severamente punido.

As punições iam desde colocar o infrator acorrentado a outros infratores, o que na época chamavam de “carrinho”; e, nesse caso, todos, brasileiros e estrangeiros, dormiriam em alojamento destinado aos castigados.

Cabia ao comandante sentenciar que punição deveria sofrer e isto dependeria, é claro, do abuso e da desobediência de cada soldado. Assim, uns ficavam no “carrinho” por dois anos, outros por dez, e outros mais, a vida inteira.

No carrinho, os soldados cumpriam todas as tarefas, tais quais as dos demais soldados. Todo soldado no castigo do “carrinho”, ao infringir qualquer um dos itens do regulamento militar, era severamente castigado com a morte. Arcabuzado. Isto significa que seria morto em um paredão sob a mira de três arcabuzes.

Arcabuz era uma arma portátil semelhante ao bacamarte. Era carregada pela boca do cano, comprimindo-se com uma vareta de ferro a pólvora e as balas esféricas de até 20mm. O estrago produzido pela arma era tão grande que, quem fosse atingido por um arcabuz, não teria a menor chance de sobrevivência.

E, por assim ser, o mais rápido possível Antonin, respondeu:

Por favor, jamais comente com seu pai a respeito de nós dois. Tenho certeza que, ao saber do nosso amor, algo de muito ruim acontecerá comigo ou com nós dois. Em outra carta eu explico tudo, mas por agora faça o que lhe peço. Não converse com ninguém sobre nós dois.

Os meses foram passando e o tempo só aumentando as saudades que um sentia do outro. Certa segunda-feira, um dia depois de terem se olhado, sorrido e até trocado um esbarrar de ombros depois da missa de domingo, Isabel escreveu reforçando aquela sua antiga ideia de abrir o coração para seu pai.

Meu amor! Não aguento mais ficar esperando os domingos chegarem para lhe ver. As nossas cartas e nossas juras de amor já não me bastam. Sinto-me sufocada, morrendo a cada instante em que penso no tempo que perdemos, a cada segundo que um passa sem o outro. Meu pai, por mais severo que seja, terá de entender que não mandamos em nossos sentimentos. Terá de entender que o amor que sinto por você vai além das regras, regulamentos militares. Vai além da minha vontade da sua vontade ou da vontade de qualquer pessoa. Te amo Antonin, e esse sentimento ficará em mim, até o último dia de minha vida.

Ansiosa, na terça-feira pela manhã foi ao jardim à procura de alguma resposta. Como das outras vezes, colocou sua mão no esconderijo e não sentiu ali a presença de nenhum tipo de papel; procurou mais um pouco e nenhum papel fora encontrado.

Isabela acariciou uma das flores, ao mesmo tempo em que pensava: «O que teria acontecido? Será que alguma outra pessoa achou o bilhete antes de Antonin? Será, meu Deus, isso poderia ser o fim de tudo. Será que Antonin pegou o bilhete e não conseguiu me responder? Mas pode ser também que tenha ficado furioso com a minha insistência de contar para o meu pai, do nosso namoro escondido e, por isso, aborrecido não quis responder. Meu Deus, o que aconteceu de fato?»

Quarta-feira, dia dois de agosto de 1710. Isabela foi ao escritório do pai e escreveu apressada em português mesmo, pois sabia ela que, pelo tempo que havia convivido com os soldados brasileiros, Antonin já entendia muitas palavras em português.

O que aconteceu meu amor? Não obtive resposta da última carta que lhe enviei, se ficou chateado desculpe-me, não voltarei mais ao assunto, por favor, mande-me alguma notícia.

Dia seguinte mais cedo do que nunca, Isabela despertou para ir ao jardim. Estendeu a mão até o interior do esconderijo encontrando por lá, a mesma carta que havia deixado dia anterior.

A carta não fora aberta, estava ainda lacrada com a mesma fita cor de rosa e do mesmo jeito que a havia deixado. Ela não entendeu nada, escondeu a carta por entre as roupas e correu para o banheiro, antes que suas irmãs a chamassem para o café da manhã.

Isabela estava angustiada, sofrendo calada com a ausência de notícias do seu amado. Mais seis dias se passaram com ela retirando sempre, a mesma carta que havia colocado no dia anterior. Não havendo mais o que fazer, por dois dias, Isabela não foi ao jardim.

Suas duas irmãs notaram a tristeza da irmã caçula e até que tentaram saber o que estaria acontecendo. Qualquer coisa que justificasse a total desatenção nas aulas de piano ministradas por sua mãe.

Isabela, sentindo que estavam notando sua mudança de comportamento, mais que depressa tentou disfarçar dizendo para as irmãs que estava se sentindo muito sozinha, e que “naqueles dias” suas cólicas haviam lhe incomodado por demais.

Dia oito de agosto, Isabela voltou ao jardim colocando sua mão novamente no vazadouro e achou um pedaço de papel. Ali mesmo, abriu o papel estranhando a caligrafia. Imaginou mil possibilidades de coisas que pudessem ter acontecido.

Seus olhos voltaram ao bilhete tentando lê-lo. Suas mãos tremiam tanto que mal conseguia decifrar as palavras. Isabel respirou profundamente para tentar de todas as maneiras se acalmar e ler o bilhete.

Antonin pediu para avisar que se encontra doente, sem condições de sair da cama; assim que melhorar, ele escreverá para a Senhorita.

O coração de Isabela batia de um jeito que ela própria podia senti-lo. Por um momento se desesperou, as lágrimas rolaram por sua face, para logo a seguir sentir algum alívio, por entender que seu amado, embora acamado, encontrava-se vivo.

Havia pensado mais de mil vezes na possibilidade de Antonin ter sofrido algum tipo de acidente, ter sido mordido por alguma cobra peçonhenta ou, até mesmo, castigado com a morte, por seu pai, caso tivesse chegado aos seus ouvidos a notícia do amor que ela sentia pelo soldado estrangeiro, mas aquela carta de certa forma tranquilizou-a.

Outros quatro dias se passaram com Isabela se perguntando: «Será que Antonin, melhorou? Meu Deus, quanta angústia, quanto sofrimento se aloja em meu coração».

Com tantas dúvidas e tantas dores, Isabela recostou a cabeça no banco de pedra do jardim e adormeceu.

Dia treze de agosto de 1710. Sem ânimo e sem esperança alguma, a jovem levou a mão ao vazadouro, encontrando algo. Isabela tremeu da cabeça aos pés.

Retirou o papel lentamente, como quem desse um tempo para pensar, e nesse ínfimo tempo, ainda levando o pequeno papel para junto de si, Isabela chora imaginando que pudesse ser outra carta do amigo de Antonin, avisando que ele havia piorado ou até mesmo morrido.

A jovem abre lentamente o bilhete, estava tão preocupada com o que pudesse ler que nem se preocupou em abri-lo ali mesmo, no quintal de sua casa.

No bilhete, Isabela reconheceu a caligrafia de seu amado, seu coração acelerou mais ainda; mas, desta vez, de alegria. Percebendo o perigo, correu em direção a uma pequena estufa, onde a sua mãe costumava guardar algumas mudas de plantas. Agachou-se para se esconder de todos e ler o bilhete.

Quanta saudade, quanta vontade de escrever este bilhete antes, mas estava impossibilitado. Passei dez dias acamado, ontem à tarde que consegui levantar-me para dar alguns passos pelo alojamento. Em meus delírios pensei tanto em ti, e a todo instante passeavas em meu pensamento.

Isabela chorou baixinho. E o bilhete de Antonin continuou...

Ah, meu amor, como te amo! Não se preocupe, de agora por diante estarei cada dia melhor, mas só voltarei a escrever outro bilhete daqui a uns três dias...

[1] O Regulamento Militar foi implantado oficialmente a partir de 20 de maio de 1710, e seu medieval sistema de normas disciplinares, infelizmente, perduraram por quase 50 anos. [N.A.]

 
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PCoelho
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