Mais que a metade
decifrável de mim
apenas subsistem nas recordações
um puro
e ímpio silêncio
E quedo-me em cada eco
ou grito fremente que nos
assedia de medos e suplícios
que hoje vivêncio
Apetece-me só prantear
desatando todos os nós
que te acorrentam
além do mar tão distante
pra onde corres tão compulsivamente
E quando desembarcas
outros ficam afogados
em ténues esperanças
que agora terminam
sem mais refúgios
sem mais subterfúgios
Nem sei mais se
vou compilar em poesia
as dores e devaneios
que sinto afrontarem
todos os teus inquietantes
gritos de aceitação
deixando só sem remissão
tua dor num cálice de pêsames
e um travo amargo com sabor a morte
sem mais absolvição
Não quero mais
subir no degrau
onde ascendo e encontro
todos os enígmas da vida
Não quero usar cada derrota
como lágrima frágil
onde as existências implacáveis
correm inseguras
apátridas
esguias, por entre o
sopro da morte que se avizinha
de forma tão inexorável
Hoje proíbo-me de rir
e contenho qualquer felicidade
que me envolva
só pra contigo migrar
neste destino implacável
que de ti de apodera
de forma tão insuportável
Hoje
possivelmente
nem mais
tuas lágrimas me acudirão
pois contigo seguirei morrendo
e implodindo vertiginosamente
pra um destino qualquer
ao largo de todo o mar
onde migramos prá vida
afogando-nos
em qualquer
refúgio eterno…sossegadamente
Hoje nem pedirei
às palavras que rimem
fingindo pacificar cada verso
onde amarroto minhas tristezas
e conjecturas
Hoje estou em fuga
desertei
e sei-o
nem sei pra lugar nenhum
tenho simplesmente
esta dor tão visceral
onde me esqueço até
do mundo prenhe com suas
tamanhas insanidades
Hoje migro contigo
sem demora, nem endereço
perdi-me algures numa
gaveta do tempo onde
tranquei pra sempre os nossos
sofrimentos
os nossos desapontamentos
perdidos nesta fracassada democracia
mergulhada no mar de todos os lamentos…
FC – aos migrantes