O amor é algo assim que nasce por razões ainda não perfeitamente explicadas pela ciência, pela psicologia, pela biologia, pela química ou por qualquer outra ciência que exista formalmente e nem pelas ditas clandestinas ou alternativas como a alquimia, a astrologia, o tarô, as runas, os cristais e a leitura de mãos.
É algo que nascido do nada, sem nenhuma explicação ou definição, transforma em uma imensa balbúrdia a vida do ser humano, tudo que foi aprendido vagarosamente por anos e anos de repente evapora como éter e um mundo colorido, leve e perfumado entra em seu lugar, os olhos brilham como estrelas, as bocas adquirem a coloração e o sabor de cerejas e framboesas, os ouvidos viram filtros que só ouvem músicas e poesias, os dedos se tornam de seda e tocam o ser amado como se tocassem em um piano uma música de Chopin, o paladar delicía o corpo da pessoa amada como a mais fina iguaria.
O coração dá um golpe de estado no corpo e assume a direcção, levando o cérebro cativo para um lugar onde ele possa assistir a toda esta festa sem poder intervir, pois ele vira um simples serviçal a serviço do amor e do ser amado.
Quando acontece esse golpe de estado, quando surge a dúvida entre se atirar de cabeça em algo grande para a vida ou gastar o que resta da juventude em boémias e nas noitadas do fado, nas tentações dos prazeres mundanos que insistente e freqüentemente convidam acintosamente ao mundo carnal.
É como se o mundo fosse um imenso ovo sob a casca do qual vivêssemos todos nós e que, um leve toque involuntário, não intencionalmente rompêssemos a fina película que nos separa do mundo real, do mundo maravilhoso do amor, do paraíso sonhado por todos os mortais.
Nesses toques acidentais, para olhos inocentes para verem as verdades supremas, romper a película e ter a visão mais extraordinária que um mortal pode ter, enchem instantaneamente os pulmões de hortelã e um poderoso despertador acorda da letargia secular fazendo o corpo inteiro tremer literalmente. O coração, há tanto tempo parado em águas paradas e turvas, iça as velas e começa a navegar em direcção ao horizonte azul, a nossa bússola aponta directamente para a pessoa amada, um poderosíssimo ímã nos atrai com a velocidade de um raio, a gente se agiganta ao mesmo tempo que passa a criança, passa-se a um(a) menino(a) gigante capaz de todas as travessuras para ganhar a mão do(a) príncipe(cesa).
Escreve-se versos, chora-se de emoção, esquece-se do mundo, tem-se momentos de terrível medo de perder o amor, reza-se, reza-se até por aqueles que não desejam o nosso amor, pois tem-se absoluta certeza de que eles não fazem a menor ideia do que se trata, como nós mesmos, há bem pouco tempo, também não fazíamos.
A vida é assim mesmo, é um imenso livro que se escreve todos os dias e que nunca terminará de ser escrito. A cada dia que passa milhares de novas histórias passam a fazer parte desse livro: os experientes são aqueles que já leram um número maior de capítulos deste livro, os imaturos ainda estão no prefácio, mas os ungidos são aqueles que lêem as entrelinhas deste livro, são aqueles que conseguem romper a película que separa o espírito da matéria e que separa Deus dos simples mortais.
E.L.
2008/27/01
E.L.