No fundo do horto,
uma fonte viva brota,
cega, de longos cabelos,
sem ser de espumas ferida,
que não atrai, de tão baixa,
e não cresce, de tão fina.
Da concha de minhas mãos
resvala e foge sombria.
E, de abaixada que brota,
de joelhos é bebida,
e levo a ela somente
as sedes que mais se inclinam:
a sede das pobres bestas,
a das crianças, a minha.
Na luz ela não estava
e na noite não se ouvia
mas desde que a encontrei
ouço-a mesmo adormecida,
pois o que dele provém
é como punção divina,
ou como segundo sangue
que o peito desconhecia.
Era ela que molhava
os olhinhos das novilhas.
E na colheita abundante
era ela que ia e vinha,
falando com minha fala,
que aos pastos arrepia.
Não era a saltos de lebre
que da serra ela descia.
Subiu a romper carbúnculos
e a morder a cala fria.
A velha terra noturna
lhe retalhava a fugida;
mas chegou à sua querência
viajando mais que Tobias.
(No Horto das Oliveiras,
Aquele que ali vertia
nem o olharam os tronco,
e a noite nada vida,
e nem se ouviu o seu sangue,
de abaixado que corria.
Mas tal água de amargura,
que por todos nós foi vista,
que nos amou sem sabermos
e caminhou dois mil dias,
como agora a deixaremos
na noite assim desvalida?
E como dormir do modo
como quando não se ouvia?)
Gabriela Mistral (1889-1957), poetisa chilena e Nobel de Literatura.
Imagem: Simeon Larson, pintor sueco.