Contos : 

O MESTRE CALCETEIRO

 
O MESTRE CALCETEIRO
 
O Mestre Calceteiro


Dois amigos de longa data, estavam calçando com pedras ricamente moldadas e coloridas, uma praça, para onde foram designados a cumprir esse trabalho.

Conversavam animadamente sobre assuntos corriqueiros:
As notícias do jornal na noite anterior, a inflação, o desemprego, as condições da saúde no país...
Em dado momento, um deles disse ao amigo (que era mais velho):

- Sabe tem dias que fico cá com meus botões filosofando sozinho.

- É mesmo? Isso é bom, faz pensar na vida!

- Sim, é exatamente isso! A vida! Como ela é diferente para todos, não acha? Uns ricos, outros pobres, uns com saúde, outros à beira da morte em uma cama... Uns se divertindo em férias, outros tantos, passando fome e desempregados. E por aí vai... Não vejo justiça nisso. Ficamos aqui de sol a sol, calçando, enquanto muitos estão em um escritório no ar condicionado...

- Ah, meu amigo, tudo é muito justo! As pessoas que não percebem. Cada um passa aquilo que tem que passar. Pagamos por aquilo que fizemos ou deixamos de fazer, nada mais justo que isso!
Vou tentar te dar a minha visão das coisas, preste atenção: Um rico pode ter todo o dinheiro, mas, que disse que ele seja feliz totalmente? Ele pode ter alguém muito amado enfermo, ele mesmo pode estar condenado, e seu dinheiro de nada poderá salvá-lo... Pode ter filhos viciados, que o dinheiro farto, facilitou os vícios...É uma rede de possibilidades! Já um pobre pode ter apenas pão sobre a mesa e ser feliz. Já prestou atenção na felicidade da família reunida em um almoço de domingo? Existem famílias ricas que mal se falam durante o dia inteiro, que dirá para fazerem uma refeição dominical juntas! As pessoas mais afortunadas, não tem laços fortes de família e amizade, como os de classe média ou baixa.
Uma feijoada com os amigos, por exemplo... Já ouviu algum rico, falando que foi numa dessas?
Dizem sim, de jantares que mal se come nada! Sabe, colocando seu olhar de forma diferente, você pode ser mais feliz, que a pessoa do escritório... Sabe-se lá, mais na frente, se ele vai continuar ali? O mundo dá voltas muito grandes, e em cada curva, uma surpresa!
As coisas de Deus, todas, tem um motivo e um porquê.

O outro calou-se refletindo sobre as palavras do amigo mais velho: Achou que aquilo que ele acabara de dizer, vinha de sua experiência de vida, já que tinham pelo menos uns doze anos a mais do que ele.

Continuavam calçando a praça por um tempo que não imaginavam... O amigo mais novo, finalmente rompeu o silêncio dizendo:

- Vamos tomar um café? Tem ali na garrafa térmica que eu trouxe. Biscoitos também.

- Sim, boa ideia! Precisamos de uma paradinha mesmo! Sentamos ali na beira da calçada, perto daquele pequeno monumento.

O amigo serviu em dois copinhos descartáveis o café, e depois dividiu os biscoitos, retomando a conversa:

- Sabe de outra coisa? Ali tem uma esquina, e eu aqui calçando a praça. Caso venha um carro desavisado, me pega. Tem também aquela outra esquina, que se cruza com essa. Vem chegando uma jovem, que fala ao celular distraída... Um carro pode lhe pegar também. Quem poderia ser atropelado com mais facilidade? Os dois você diria... Mas, se isso acontecer ao mesmo tempo, eu aqui e ela ali, quem Deus vai poupar?

O outro colocando o dedo indicador sobre os lábios, respondeu com firmeza:

- Deus pode poupar, um, os dois, ou nenhum. Segundo a situação...

- O que quer dizer? Quem é bom vai ser poupado? No caso, se os dois forem, os carros não pegam; se forem maus os carros matam, e se apenas um for bom, o outro morre?

- Não!

- Não?! Como assim?

- Vai depender da hora de cada um, e não, se é uma pessoa boa ou má. Cada ser humano tem hora de nascer e morrer, independente do que se faz na Terra. Isso está escrito: Bons e maus seguem a mesma regra estabelecida por Deus.

O outro mais uma vez se calou , ficando com o olhar perdido na moça que passava pela esquina...

Voltaram ao trabalho e continuavam calçando a praça...

Ele então se virou para o amigo e disse;

- Meu amigo, a gente fica aqui horas calçando essa praça, e parece que nunca termina! Veja, sempre tem outro pedaço e mais outro faltando... Que misterioso isso!

- Você então já percebeu isso...

- Sim, a gente nunca acaba esse serviço, parece condenação eterna...

- Para cada um existe um mistério a ser desvendado. Descubra o mistério desse calçamento...

Continuaram calçando e calçando...


O mais novo disse pensativo:

- Cada um tem aquilo que merece. Você acredita naquelas coisas de Paraíso, Condenação Eterna, Purgatório?

- As mentes antigas viam as coisas de outra forma. Havia o medo para tolher as pessoas e manter certo equilíbrio. Dogmas e livros então foram criados. Outros tantos queimados na Inquisição... Mas, outros tempos surgiram, novas descobertas foram acompanhando a Humanidade... Outros livros foram escritos, outras verdades deram lugar aos mitos e palavras que foram modificadas ao longo dos séculos... Hoje pode-se dizer, que cada um vai para onde merece ir. E isso se aplica, às palavras de Jesus: "HÁ MUITAS MORADAS NA CASA DE MEU PAI!' Sendo assim, não poderia haver só 3 tipos de lugares para se ir, quando se fecha os olhos na Terra. Tudo é muito justo! Para cada ser humano, se tem um lugar certo, conforme seus feitos. Assim, podemos imaginar coisas diferentes...

O amigo então vira-se para o mais velho e diz:

- Você é muito sábio. Pensei que fosse, porque tinha mais anos de experiência de vida, mas, vejo que é porque é realmente um pensador, um filósofo! E eu aqui, pensando ser um! Ai, meu Deus, quanto tenho que aprender ainda!

- Percebe isso então? Fico muito feliz, porque vejo que está pronto para uma revelação...

- Revelação... Que revelação?

- O carro te pegou, amigo.

Fátima Abreu Fatuquinha



 
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