QUATORZE DE JULHO
Hoje, sem que nem para quê,
desabei n'um choro convulso.
Simplesmente não conseguia parar...
Sem qualquer empatia pelo dramático,
eu chorei sem pejo, sozinho.
Quando parei, a fronte estava cansada
como se n'um esforço enorme.
De facto, fora um dia muito estranho:
Havia acordado confuso,
após uma noite cheia sonhos ruins.
"Ao menos consegui dormir"-- pensei.
Ao longo do dia, pensei muito em minhas filhas, n'um sentimento angustiado, misto de saudade e perda.
Elas são crianças. Por trás de tudo isso,
havia a lembrança de minha própria infância.
Eu chorava lembrando e projetando
a minha dor na dor d'elas.
Afinal, que dor era essa?
Tinha a ver com a exposição de si à maldade do mundo.
Acho que era algo como não ter sido protegido o bastante.
E, por conseguinte, não ter sido amado o bastante.
Se, de facto, quem ama cuida,
ser mal-cuidado denotaria falta de amor.
Ou será que nunca há amor o bastante?
Não é o excesso de cuidados capaz de corromper a percepção da realidade?
A gente tenta não pensar n'essas coisas... Sim, tenta esquecer o que não foi bom. Mas, às vezes, a memória é como uma lagoa
cuja profundeza oculta podridão sob
o espelho d'água que se azula ao céu.
E, sem que a gente entenda porquê,
alguma força misteriosa revira
às camadas decantadas do fundo,
turvando tudo n'uma água escura e fétida.
Eu não sou Deus.
Eu não posso livrar minhas filhas do mal.
Eu não posso livrar sequer a mim do mal.
Mas eu rezo,
embora saiba injusto
que com tanta injustiça mundo afora
possamos deixar de receber as nossas
E carregá-las vida afora...
Sem embargo, não tenho certeza de que tenha sido um dia de todo ruim,
pois, à noite,
eu chamei minha filha caçula para conversar
e pude explicar como me sentia
e porque procedia como procedia.
Acho que ela entendeu.
Betim - 2015.
Ubi caritas est vera
Deus ibi est.