Talvez não tenha o direito de pensar...
talvez o mais correcto em mim
seja sempre o sentir...
Porque me rasgam estas dúvidas
tão profundamente o peito?
De onde chegam vocês
agora que sentia tudo perfeito à minha volta?
Tenho a carne agrafada ao corpo...
suada e aflita
porque não se consegue soltar
e desesperadamente sabe que quer voar
e em pedaços suculentos se doar.
Falta sentir os teus dedos pedindo
para me aproximar com a respiração encravada...
Falta sentir que beijo cerejas
e que sem mim a água tem sede
quando escorre nos rasgos da minha boca...
Este sentimento vai e vem cá dentro
e deixa-me louca...
tenho ondas no olhar
e riscas coloridas
desenhadas às pressas
que me turvam a visão...
Apetece-me estalar o que sinto
forte contra o rosto despido
e interrogar a alma até à exaustão...
Porque te sentes sozinha
nas palavras que debitas
com o coração envergonhado?
Porque não corres para os meus braços
como se o mundo fosse acabar amanhã..?
não só para ti...
mas para mim também
porque eu sou só uma brisa que hoje por ti passa
e amanhã posso ser chuva desnorteada
desfeita num chão.
Deixa-me morrer aos poucos...
voar por cima das montanhas
que amargamente levo às costas
e tantas vezes me fazem viajar
em círculos infinitos
que não parecem ter fim.
As borboletas perdem a cor
mas viram todos os arco-íris de perto
antes de serem tela a preto e branco...
As formigas esmagam-se com um simples passo
mas já percorreram tantos caminhos desconhecidos
antes de serem pó na estrada...
As flores murcham com o cair da primavera
mas já perfumaram tantas peles
antes de perderem todas as pétalas ...
Inspiro...
Roubo aos pulmões toda a postura
e o ar sai-me curvado pela boca
já cansado de tanto fugir
com soluços a vibrar na garganta.
Sinto...
Será que tenho o direito de sentir
se nem nas palavras me acredito?
Escrevo...
Aqui nasço e renasço cem vezes
com o coração completamente à toa
e abraçada às palavras
mato o medo de me perder...
Daniela Pereira
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