Quando vemos algo que não possuímos, dizemos espontaneamente: "ah, se isso fosse meu!", e esse pensamento torna a nossa privação penosa. Em vez disso, deveríamos dizer mais vezes: "ah, se isso não fosse meu!".
Com isso quero dizer que deveríamos às vezes imaginar como os bens que possuímos pareceriam depois de havê-los perdido.
E isso com os bens de todas as classes, sejam quais forem; riquezas, saúde, amigos, entes queridos, esposa, filhos, cavalos e cães.
Porque, na maioria vezes, só a perda dessas coisas nos ensina seu valor.
Por outro lado, o método que recomendamos aqui terá como primeiro resultado fazer com que sua posse nos torne imediatamente mais felizes que antes e, em segundo lugar, fará com que nos protejamos por todos os meios contra sua perda.
Desse modo, não arriscaremos nossos bens, não irritaremos nossos amigos, não colocaremos à tentação a fidelidade de nossa esposa, cuidaremos da saúde de nossos filhos, e assim sucessivamente.
Muitas vezes tentamos espantar o tom sombrio do presente com especulações sobre probabilidades favoráveis e nos imaginamos toda sorte de esperanças quiméricas.
Cada uma delas está cheia de decepções que nunca deixam de chegar quando confrontadas com a dolorosa realidade.
Mais valeria que escolhêssemos as más possibilidades como temas de nossas especulações. Pois isso nos levaria a tomar medidas preventivas para dissipá-las e nos proporcionaria, às vezes, agradáveis surpresas quando não se realizassem.
Não estamos sempre mais alegres depois de sair de uma dificuldade?
É até saudável imaginarmos certas grandes desgraças que podem eventualmente vir a ferir-nos, pois isso nos ajuda a suportar mais facilmente males menos graves quando vêm efetivamente nos acometer.
Porque então nos consolamos com o pensamento sobre essas grandes desgraças que não se realizaram. Porém, ao praticar essa regra, devemos ter o cuidado de não esquecer a anterior.
Arthur Schopenhauer, in Aforismos Para a Sabedoria de Vida, Folha de SP, página 135.
Arte: Caravaggio (1571-1610)