PRIMEIRO DE JULHO
Houvesse alguma justiça na vida,
eu já estaria morto e enterrado.
Não tive o mérito de coisa nenhuma,
Apenas obrigo aos meus semelhantes à minha figura patética.
Se me suportam, é por se saberem patéticos também. E são: Meus amores, meus amigos, meus desafetos e meus conhecidos. Todos, à sua maneira, são tão patéticos quanto. Ou mais!
Chato isso de falar mal de si ou dos outros... Concedo. Todavia, apenas tento ser sincero.
Ontem à noite eu perdi o sono e, na vigília, encarei, um após outro, quatro demônios.
O primeiro veio. Era alto e debochado. Vestia-se com apuro, algo janota, enquanto expunha os factos da vida. Juiz impiedoso, listou uma a uma minhas míserias. Ao final sorriu e se foi, satisfeito consigo mesmo.
A segunda era uma mulher. Se não era feia, bela tampouco. Olhava com olhos grandes e vazios o vazio de meus afetos. Não me disse muito, apenas uma frase algo enigmática: --"O amor vale a pena. Quem crê nisso, merece o melhor da vida."...
Terceira, uma velha resmungando decepções. Chegou-se-me cheia de dores e achaques e iniciou a já conhecida ladainha de insucessos meus. Foi-se banhada em lágrimas tão sentidas quanto inúteis.
A quarta visita chegou calada: moça, ostentava translúcida mirada aquamarina. Passaria por anjo não fosse o que houve a seguir... Enrusbecida, sem mais nem quê, fez relato de imoralidades inconfessáveis. Não houve perversão escatológica que ignorasse! Por fim, fez com que eu me reconhecesse o vicioso autor de tais fantasias...
Após considerar longamente, declarei-me culpado de todas as acusações. Sincero lamentei não haver, de facto, pena que expiásse tantos crimes.
Ou há? A própria condição humana -- milagre e angústia d'estar vivo... -- movida pela esperança de que o melhor ainda está por vir.
Betim - 2015
Ubi caritas est vera
Deus ibi est.