Tudo por causa de um arrepio forte que a fez quedar-se na espera de um movimento contrário ao que a levara ali. Estava só e assim ficou até ao final do dia. De vez em quando, teimava em chapinhar nas bátegas de água que faziam remoinho junto aos seus pés.
O sol virara-se ao contrário. A lua surgia por detrás da linha do horizonte. O mar calmo mas irrequieto. O horizonte tão longe e ela tão perto de desenhar na areia da praia um novo caminho. Simplesmente refugiada na sua dor levava as mãos vazias mas enfiadas nos bolsos do casaco. De vez em quando, o cabelo ora tocado por uma brisa suave, repentinamente ocultava-lhe os olhos. Despreocupada com a falsa visão de um dia claro foi-se entranhando no lusco-fusco. Agora tudo era claro, mas não muito. Tudo também era escuro, mas pouco.
Um cenário onde a brutalidade criara raízes iluminava o palco onde deixara a sua marca.
Reconstitua as cenas burlescas tal como os lugares onde se limitou a ser pouco mais do que nada. Nas mãos tinha ainda os traços antigos, que se alimentavam de um crer na imagem que de vez em quando descia do alto e se sobrepunha à sua própria imagem de mulher comum. Era mulher terra, mulher, fogo, mulher água, mulher ar, e com os requisitos necessários que a predestinassem a ser um Ser entre os seus iguais. Constantemente se via obrigada a canalizar o pensamento só para o mesmo sentido obrigatório. Abria e fechava as pernas, enquanto no seu corpo escorressem gotas de um suor frio, animalesco, grotesco, carnavalesco, até. Cansou-se daquilo no seu colo. Apartou as pernas e os braços daquele lugar ermo, onde se deitava sempre, quer fosse dia ou noite.
Saiu de si, porque para si se movimentava, entregando-se devagar àquele estado novo de ser.
Agora e com o mar como cenário em ondulações frenéticas, refugia-se na areia da praia. Desenha nela histórias com figuras homenageando outros tempos de menina, em que saía simplesmente à rua para brincar.
Com o propósito de andar só, e assim ficar a pensar, desviou-se do caminho. Agora, só as pegadas na areia davam conta de que por ali passara alguém, porque o resto, tudo era o passado a intensificar um futuro incerto.
A mulher castigada pela maré alta que entretanto chegara, deixou-se levar.