Cheguei da última viagem. Aquela que não me levou a lugar algum que eu já não conhecesse. Esse lugar incandescente, onde o gelo é fogo e o sol indiferente aos corpos frios, sucumbe por entre os seus olhos fechados.
Saí no último cais e pisei um chão de pedras raras. Aconcheguei no colo as minhas mãos geladas, castigadas também elas, de invernos longos. Ainda vejo glaciares caídos aos meus pés e sinto também aquela aragem a criar raízes fundas na minha pele.
Agora que cheguei cedo, breve é esta neblina a desembaraçar-me o cabelo. Irei caminhar sobre o pontão. Meus pés irão saber como chegar, sem nunca terem saído do mesmo lugar. Esperarei pelo vento para lhe contar dos últimos movimentos do meu corpo. Este irá cobrir os campos de fios de neve até que o verão satisfaça a sua última vontade de me ver inteira a tocar o sino da capela.
Ouvem-se já alguns sons vindos de outros lugares. Orações ao alto, até que a neve derreta e satisfaça o último desejo do meu corpo - um rio a cobrir todas as margens ressequidas.
Dolores Marques (Ônix)