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TEINIAGUÁ - a salamandra do carbúnculo.

 
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TEINIAGUÁ - a salamandra do carbúnculo.

introito

I

Tantas quantos dias o ano
Tem-se a cantar essas rimas,
Embora as histórias primas
--‘Pós engano e desengano --
Fossem-me já obras-primas...

II

Sem embargo, se te animas
A saber d'estes rincões,
Vou falar aos corações,
Não por merecer estimas
Ou diversas opiniões.

III

Sim pelas nobres razões
E face aos vários humores,
Onde lágrimas e suores
Compensem os seus senões
Como defeitos menores.

IV

Possam fazer bem melhores
E maiores as nossas vidas!
Possam, porque se perdidas
As idades dos louvores,
Só resta a das despedidas...

V

Se há verdades insabidas
E ignorâncias sem tamanho,
Perdoe-me as glosas d'antanho
Quem -- das querências queridas --
Ler as palavras que apanho.

VI

Conquanto pareça estranho
Narrar épica canção
De nossa crioula nação,
Sobre-eleva-se ao tacanho
Seu extremado brasão!

VII

Possam, precisas ou não,
Fazer-te as horas mais ricas,
Do que devendo me ficas:
A princesa e o sacristão
Tu - lendo a lenda - os imbricas.

VIII

Ora espirituosas dicas;
Ora visões opulentas;
Possam as rimas trezentas
Ser panaceia de boticas
Para as almas turbulentas.

IX

Possam, à guisa de ementas
Dispostas no cabeçalho,
Ter no diário trabalho
O apanágio de horas bentas
Contra todo intento falho.

X

Possam -- as rimas que espalho --
Reunir o meu ser disperso.
Desde os confins do Universo
Sobre os pampas onde orvalho
A aurora crioula que eu verso.

XI

Pois, por entendê-la ao inverso
De qualquer filosofia
Que fiz diária a poesia:
Um dia p’ra cada verso;
Um verso p’ra cada dia.


o encontro com Teiniaguá


XII

Sem embargo e todavia,
Principia a antiga lenda .
Em face de grã contenda,
Um gaúcho indo à porfia
A nada e ninguém se renda!

XIII

Mas, por solitária senda,
Cortava os pampas o andante,
Que há anos se fez viajante
Em busca d'haver emenda
Contra seu fado inconstante.

XIV

De facto, ele andava errante
Quando viu a salamandra,
Que por sobre as brasas meandra:
Ornada em rubi faiscante,
Corria arenosa gandra...

XV

À noite, piando a calhandra,
Não vê senão Teiniaguá:
Uma teiú que Anhangá
Fez da princesa malandra
Com toda magia que há.

o carbúnculo


XVI

Andava aqui e acolá
A cingir sua cabeça
O diadema da promessa
D'haver quanto se lhe dá
Àquele que amor confessa.

XVII

Sua situação era essa:
Vê a moura enfeitiçada
-- Em salamandra mudada!... --
Levá-lo na noite espessa
Até d’uma furna a entrada.

XVIII

Lá, ela mantém vigiada
Arcas e mais arcas de ouro
Do incalculável tesouro,
Que enterrara em debandada
Um antigo sultão mouro.

XIX

Por isso, de mau agouro
Conhecem esse lugar
Onde estava a pernoitar
Co’a jovem cujo desdouro
Tantos fora amedrontar.

XX

Contudo, faiscava o olhar...
Face à terrível imagem
Da salamandra em viragem,
Ele deve atravessar
Sete provas de coragem.

XXI

Abrindo logo passagem
No fundo da furna escura
Enxerga humana criatura:
Outro estranho personagem
De muito triste figura.

o diálogo com o Sacristão


XXII

É o sacristão. Procura
Pôr fim àquele feitiço
Que mantém o compromisso
D’um cristão cuja loucura
Furta ao sagrado serviço:

XXIII

--“De facto, foi pelo viço
Da bela que, prisioneira,
Me aprisionara faceira,
Desgraçando à causa d'isso.
Toda a terra missioneira.”.

XXIV

“Pois, então, de tal maneira
A Teiniaguá me enamora,
Que não a esconjuro, embora
Pela moura feiticeira
Deitasse a salvação fora.”

XXV

“Por fim, insana me implora
Tão ardoroso carinho
Em troca do santo vinho
Que nos altares se adora...
Para meu mor descaminho!”.

XXVI

“Flagrado o crime, sozinho
Fora condenado à morte.
Mas, mudando minha sorte,
Gira o céu em torvelinho;
Toda a terra treme forte.”.

XXVII

“Teiniaguá surge do Norte,
Das margens do rio vinda
Mais horripilante ainda,
Que sanguinolenta coorte:
Avassaladora e linda!”.

XXVIII

“Logo a catástrofe finda:
Toda vila vem abaixo
Co’o chão, em forte rebaixo!
Só o silêncio deslinda
A escuridão lá em baixo...”.

XXIX

“Viemos dar n’esse altibaixo
Que é o Cerro de Jarau.
Qual tenebroso sinal
Onde o extraordinário encaixo
D'um meteoro terminal.”.

XXX

“E hoje, em remoto local,
Há tão-somente essa furna
Onde rasteja noturna
Ela, um brilhante animal
E eu, de face taciturna...”.

XXXI

Co'a mirada mais soturna,
Silencia o homem assim.
Na salamandra, um rubim
Faísca por cima da urna
Oferecendo-a, por fim.

XXXII

Dissera ao outro, ainda e enfim:
-- "Se tens o coração puro
Mais o espírito seguro,
Com coragem porás fim
A esse mal em que perduro."

XXXIII

Após, n'aquele antro escuro,
Diz o herói resposta sua:
-- "Ouvi minha avó charrua
Contar esse causo obscuro,
Há anos em clara lua.".

XXXIV

E, encarando-os, continua:
-- "Eu sei quem sois e quem fostes:
Não mais princesas ou priostes.
Não com gente a luta crua,
Sim contra celestes hostes!".

XXXV

“Vistes erguidos os postes
Dos suplícios assassinos...
-- Calaste clarins e sinos,
Teiniaguá, embora arrostes
O entrelaçar dos destinos!... --”

XXXVI

“Portanto, não são mofinos
Meus intentos junto a vós.
Não sou juiz nem algoz
Tampouco, com dedos finos,
Ambiciono ouros após!”

XXXVII

Dito isso, traz n'uma noz
O homem ao jovem sem medo
Um gole de chá azedo
Cala de vez sua voz
E cerra os olhos mais cedo...

XXXVIII

Desacordado mas ledo,
Enquanto jaz semimorto,
Anda com só desconforto
Súbito em denso arvoredo.
Falando n'um transe absorto:

XXXIX

--”Era alma sem corpo. Em torto
Caminhar por mato adentro
Sete vias desde o centro...
Incerto se vivo ou morto,
Só silencio e concentro.”

as espadas ocultas na sombra


XL

“O primeiro caminho entro:
Pirilampejam centelhas
Do choque de espadas velhas.
Tinem de tremer por dentro,
Olhando senão de esguelhas!”

XLI

“Sombras se medem parelhas.
Pelejam d’alfange à palma
Sem que se veja viv’alma...
Roçando-me o aço às orelhas,
Só a promessa me acalma.”.

XLII

“Sigo em frente: Fronte calma
Face ao furor sarraceno.
Nunca jamais me apequeno,
Pois que venha o que vier: ‘Alma
Forte e coração sereno!’”.

a arremetida de jaguares e pumas furiosos


XLIII

“Finda a picada em ameno
Campo sobre amplas coxilhas.
Ciente que só maravilhas
Tudo -- mesmo sob sol pleno! --
Seguindo as seguintes trilhas.”.

XLIV

“Vêm feras feito matilhas
Assomando a mim esconsas:
Pintadas e pardas onças
Igual cercassem novilhas
Ou vacas velhas e sonsas.”.

XLV

“Porém, por razões absconsas
Os jaguaretês em roda
Tão-só balançam a coda
E eriçam pelo às responsas...
Passando, nada incomoda.”.

a dança dos esqueletos


XLVI

“Mudando a paisagem toda
N'um só lampejo instantâneo
Através do subterrâneo
Ando a ver lúgubre moda:
Dança o esqueleto sem crânio!”.

XLVII

“Era um ossário coetâneo
Dos Césares! Catacumba...
Tocam tambor e zabumba
Como se algum sucedâneo
De despachos de macumba.”.

XLVIII

“Antes que também sucumba,
Passo ossadas dançarinas
À luz de vãs lamparinas.
Incólume, deixo a tumba
Vagueando em meio a neblinas.”.


o jogo das línguas de fogo e das águas ferventes


XLIX

“Galgo, após, alvas colinas
E chego a perfeito inferno:
Onde um fogo sempiterno
Em labaredas ferinas
Jorra nas neves do inverno.”.

L

“E frio e calor alterno
Na travessia terrível...
É tremor irreprimível
Em face do horror superno
D’uma dor d’aquele nível!”.

LI

“Murmurava-me inaudível:
‘Alma forte...’ Ou urro cansaço?...
Vapor esguicha no espaço
Junto ao fogo inextinguível,
Enquanto vou passo a passo.”.

a ameaça da boicininga amaldiçoada


LII

“Nova paragem eu passo.
Esta, um deserto sequioso!
Mas aonde ando andrajoso
É semelhante a um regaço
Quando há repouso gostoso.”.

LIII

“Cerca, entretanto, do gozo
Escuto o chocalho cruel:
Boicininga, a cascavel
Me arma um bote perigoso
Com seu sibilado infiel.”

LIV

“Encaro a língua revel
Mais as presas e a peçonha
D’essa criatura bisonha,
Buscando de déu em déu
Outra ventura risonha.”

o convite das donzelas cativas


LV

“Quando me vêm sem-vergonha
Uma após outra as donzelas
Cativas, malgrado belas,
N’um rir que nunca enfadonha
Por prazer tão-só em vê-las.”

LVI

“Tão enternecido d’elas
Junto à sanga de olho d’água
Quis que deixasse de mágoa
Para melhor conhecê-las,
Onde a cachoeira deságua.”.

LVII

“Conquanto me ardesse em frágua,
Mais me contive, perplexo,
Da imaginação sem nexo
Que adivinha a renda à anágua
Cobrindo virginal sexo...”.

o cerco dos anões


LVIII

“Indo para um bosque anexo,
Cercaram-me anões em malta
N’uma valentia incauta
Com tal falar desconexo
Entre animoso e peralta.”.

LIX

“Tentam deter-me na falta
De meios de facto violentos
Com caprichosos aumentos:
Quer volatim; quer pernalta
Vêm, acrobatas, aos centos!”.

LX

“Mas certo de seus intentos
Repito o mote contrito.
Porque já estava escrito
Que mesmo com passos lentos,
Atravessa-se o infinito.”.

o prêmio


LXI

Tudo isso é muito bonito,
Mas aonde irá com tanto?
Sim, fora quebrado o encanto
D'aquele casal maldito
Por um guasca puro e santo.

LXII

Ao despedir-se, entretanto,
Nada aceita para si!
Ruma à vila de Quaraí...
Finda da noz o quebranto
E o sacristão fala ali:

LXIII

-- “Toma a moeda. É para ti.
Lembrança d’essa vitória
Cuja saudosa memória
De quanto vi e vivi
Mereceste em tua glória.”.

LXIV

Ao que responde: -- ”Ilusória
Antes essa vida que segue...
Por mais que isso tudo eu negue,
A Teiniaguá é história!”
Porém guarda a moeda entregue...

LXV

E anos consigo a carregue
Embora amargue miséria!
Como se a nobre matéria
Tivesse azar que persegue
Com força má, deletéria.

o desencantamento


LXVI

Decide gastar qual féria
Em mau negócio de gado.
Esquecendo do passado
Para empreender coisa séria,
Não lembrar atucanado...

LXVII

E aconteceu de ser fado:
A moeda traz outra moeda!
E para si envereda
Todo o rebanho invernado
Em compra rápida e leda.

LXVIII

O outro, contudo, arremeda:
--”Ai-Jesus! É coisa feita!
E não de gente direita..."
Mas o mistério lhe enreda
Fama de vida suspeita.

LXVIX

Diante do caso ele aceita
Volver à só salamanca.
E saúda com voz franca"
O sacristão que lhe aceita,
E bendiz junto a barranca:

LXX

--“A maldição se me arranca
Teu louvado ao Senhor Cristo!”
Tal como fora previsto
-- Ele ameríndio e ela branca --
Formaram um povo misto.

epílogo


LXXI

Ao fim e ao cabo, com isto
Os pais d'essa crioula gente
Um país bem diferente
Lograram-nos por bem-quisto
D’aquele amor transcendente.

LXXII

Resta-nos seguir em frente
Qual soube o guasca fazer
Diante de risco qualquer
Sem temor, ir tão-somente
Pronto p’ro que der e vier...

LXXIII

Assim, se a sorte couber
Todos os desejos teus,
Mesmo perdidos nos breus
Possamos sempre dizer:
--”Mestiços, graças a Deus!”

FOZ DO IGUAÇU - 26 12 2010


Ubi caritas est vera
Deus ibi est.


 
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RicardoC
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Enviado por Tópico
RicardoC
Publicado: 24/06/2015 12:35  Atualizado: 24/06/2015 12:35
Usuário desde: 29/01/2015
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 Re: A TEINIAGUÁ
Em meados dos anos noventa, havia em Belo Horizonte um sebo antigo bem no hipercentro que eu frequentava na esperança de algum livro incomum.

Eu adorava aquele lugar! Era uma loja entulhada de livros e revistas bolorentas cuja disposição caótica reforçava a ideia de um achado fortuito.

E um dia houve: "FLORILÉGIO CASTELLANO" de Adolfo POZO Y POZO... Era uma coletânea de poesias em espanhol apresentadas em didático recorte historicista.

No capítulo medieval, informava de um poeta que apresentou a El-Rey um poema de trezentas rimas e esse, encantado, pediu que se lhe acrescentassem mais sessenta e cinco para que "fosse uma para cada dia do ano". E assim foi feito.

A partir dessa historieta, pensei uma forma poética fixa para poemas épicos plasmados na tradição ibérica e foi daí que surgiram as "RIMAS TREZENTAS". É isso.

Enviado por Tópico
RicardoC
Publicado: 24/06/2015 14:03  Atualizado: 26/06/2015 11:57
Usuário desde: 29/01/2015
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 Re: A TEINIAGUÁ
A lenda da salamanca do Jarau, onde figura a Teiniaguá, fora registrada por José Simões Lopes Neto em inícios do século XX no livro "Lendas do Sul", que li junto com outros textos regionalistas ainda adolescente.

Já adulto, também a encontrei em "O Tempo e o Vento" de Érico Veríssimo, na parte "O Continente".

Todavia, foi em viagem à fronteira do Paraguai, em Foz do Iguaçu, no natal de 2010, que tive ânimo de escrever uma nova versão em poesia épica. Lá, travei contato com a língua guarani e me acerquei mais da história das missões jesuíticas que se desenvolveram desde Guaíra, ali perto.

Por isso, escrevi.

Enviado por Tópico
RicardoC
Publicado: 24/06/2015 20:52  Atualizado: 24/06/2015 20:52
Usuário desde: 29/01/2015
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 Re: A TEINIAGUÁ
A lenda de Teiniaguá é uma história que intenta explicar a formação do povo "crioulo", isto é, mestiço. Ao mesmo tempo, é uma história de amor cheia de reviravoltas e entremeada de eventos sobrenaturais. Passei o dia revisando-a. Considero essa versão, às 17hs57 - 24 06 2015, a primeira revisão.

Enviado por Tópico
RicardoC
Publicado: 25/06/2015 20:02  Atualizado: 25/06/2015 20:02
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 Re: A TEINIAGUÁ
Texto em 2° revisão. Contei a métrica, verso por verso, e verifiquei incoerências e más concordâncias. Espero que aprecieis. 17hs07 - 25 06 2015.

Enviado por Tópico
RicardoC
Publicado: 26/06/2015 11:29  Atualizado: 26/06/2015 11:29
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 Re: A TEINIAGUÁ
1 Referência a "Lendas do Sul" (1913) de SIMÃO LOPES NETO e "O Continente" (1949) de ÉRICO VERÍSSIMO. O poeta reconhece o desafio de narrar uma lenda já contada por escritores consagrados em livros excepcionais. A lenda da Teiniaguá, ou Teiuaguá, corresponde ao ciclo de narrativas formadoras do povo brasileiro.

Enviado por Tópico
RicardoC
Publicado: 26/06/2015 14:42  Atualizado: 26/06/2015 14:42
Usuário desde: 29/01/2015
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 Re: A TEINIAGUÁ
Por não ser meridional, o poeta se escusa de eventuais falhas na exposição da lenda diante dos leitores das "querências queridas", i.e., os sul-rio-grandenses.

O brasileiro, em particular, e o latinoamerticano, em geral, são oriundos da miscigenação racial e cultural que os diferem de outros povos e nações.

Enviado por Tópico
RicardoC
Publicado: 26/06/2015 18:04  Atualizado: 26/06/2015 18:04
Usuário desde: 29/01/2015
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 Re: A TEINIAGUÁ
Há toda uma iconografia em torno da representação artística da salamandra Teiniaguá. Também chamada Teiuaguá - do Tupi: teiú (lagarto) goá (redondo).

Em geral, parece ser um lagarto de cores garridas que tem um rubi enorme encrustado na cabeça, sobre os olhos. Repare-se que lagartixas e salamandras são animais comumente encontrados em ruínas e furnas, i.e., os locais que tipicamente ocultam tesouros na tradição ibérica.

Enviado por Tópico
RicardoC
Publicado: 26/06/2015 22:09  Atualizado: 26/06/2015 22:11
Usuário desde: 29/01/2015
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 Re: A TEINIAGUÁ
A lenda de Teiniaguá, ao contrário da maioria das lendas, tem lugar em localidades reais. A história se inicia na região de Salamanca, na Espanha. De lá, ela se disfarça de velha e, misturada com os castelhanos, vem para a região das Missões, que no início do século XVIII que era desde Guaíra, no Paraná, e vinha ao longo dos rios da bacia platina, onde hoje o Paraguai, Entre Rios e Corrientes, na Argentina e o oeste gaúcho. Aqui, ela seduz o Sacristão em San Tomé, na margem direita do Rio Uruguai, e fogem juntos para o Cerro do Jarau, em Quaraí - RS.

Enviado por Tópico
RicardoC
Publicado: 27/06/2015 10:55  Atualizado: 27/06/2015 10:56
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 Re: A TEINIAGUÁ
As questões mais persistentes para mim em relação à poesia épica são justamente o seu formato e temática. Há-que se contar uma história em versos, mas não de qualquer modo e qualquer tema. As trezentas, penso eu, têm o tamanho certo para não serem de leitura enfadonha, onde a redondilha maior -- junto com um padrão de rimas generoso -- obtém a linha melódica mais corrente do vernáculo. Assim, as estrofes fluem...

Enviado por Tópico
RicardoC
Publicado: 27/06/2015 14:47  Atualizado: 27/06/2015 14:47
Usuário desde: 29/01/2015
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 Re: A TEINIAGUÁ
Acabei de ler uma coletânea de lendas folclóricas em que essa mesma lenda é apresentada com o nome "CARBÚNCULO" em referência ao rubi incrustado na cabeça da salamandra. Nessa versão, a lenda se resume à ambição do sacristão diante das riquezas que a salamandra guarda, logo, não há o elemento feminino e tampouco afetividade. É comum as narrativas folclóricas serem bem díspares às vezes.

Enviado por Tópico
RicardoC
Publicado: 27/06/2015 16:33  Atualizado: 27/06/2015 16:33
Usuário desde: 29/01/2015
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 Re: A TEINIAGUÁ
Na cultura popular ibérica são comuns os relatos de tesouros enterrados pelos mouros em grutas ermas, ruínas de castros, ermidas abandonas etc... Com a Reconquista, os mouros teriam deixado tesouros ocultos à medida que cediam território ao avanço dos reinos cristãos do norte da Península Ibérica. A princesa moura enfeitiçada seria guardiã de um desses tesouros pelos séculos e teria fugido para a América do Sul disfarçada de velha.

Enviado por Tópico
RicardoC
Publicado: 28/06/2015 12:26  Atualizado: 28/06/2015 12:29
Usuário desde: 29/01/2015
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 Re: A TEINIAGUÁ
Por dedução simples, qualifiquei o sacristão como ameríndio, apesar das fontes da lenda não o estabelecerem inequivocamente. Isto porque a princesa moura - quer de origem moçárabe; quer marroquina - é branca e europeia. Portanto, o sacristão -- que funda com ela o povo crioulo -- é indígena das Missões.

Enviado por Tópico
RicardoC
Publicado: 28/06/2015 14:51  Atualizado: 28/06/2015 14:51
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 Re: A TEINIAGUÁ
A princesa e o sacristão atravessam os séculos presos a um encantamento místico -- a guarda de tesouros que mantém jovem a princesa, na Europa; e sua transformação em lagartixa com o carbúnculo brilhante, na América. O desencatamento, aparentemente, vem de um ato de contrição do sacristão -- que passa a participar da maldição da moura -- voltando à amizade com Cristo que, onipotente, ajuda o herói a superar tentações semelhantes àquelas que Santo Antão descreve.

Enviado por Tópico
RicardoC
Publicado: 28/06/2015 16:40  Atualizado: 28/06/2015 16:40
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 Re: A TEINIAGUÁ
Provavelmente, A TEINIAGUÁ é o melhor poema que escrevi. Estou apaixonado pela história e pelas possibilidades da poesia épica nesse formato das TREZENTAS.

Enviado por Tópico
RicardoC
Publicado: 29/06/2015 00:37  Atualizado: 29/06/2015 10:40
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 Re: A TEINIAGUÁ
Carbúnculo: nome da granada almandina, lapidada em cabuchão. Pedra preciosa, variedade de rubi muito brilhante.

Enviado por Tópico
RicardoC
Publicado: 29/06/2015 00:37  Atualizado: 29/06/2015 00:38
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 Re: A TEINIAGUÁ
Teiniaguá ou Teiuaguá? Eis a questão...

Enviado por Tópico
RicardoC
Publicado: 29/06/2015 10:34  Atualizado: 29/06/2015 10:34
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 Re: A TEINIAGUÁ
As "sete provas de coragem" são descritas por SIMÃO LOPES em sua narrativa. Para introduzi-las na narrativa, o herói antes toma um chá que o entorpece e o leva a uma situação de quase-morte. É entorpecido que ele narra, em primeira pessoa, o enfrentamento de ameaças sobrenaturais que animam sombras, feras, esqueletos, línguas de fogo vulcânicas, cascavéis enormes, jovenzinhas enganosas e mesmo anões. Mesmo atravessando tantos cenário amedrontadores, ele persevera.

Enviado por Tópico
RicardoC
Publicado: 29/06/2015 11:42  Atualizado: 29/06/2015 11:42
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 Re: A TEINIAGUÁ
A lenda narra que o sacristão furtou vinho canônico sem especificar se o mesmo já estava consagrado ou não... O desastre coletivo faz menção antes às Guerras Guaraníticas e à expulsão dos jesuítas dos domínios lusos e castelhanos em decorrência das decisões negociadas no Tratado de Madrid. E a Teiniaguá, em forma de salamandra, foge para as barrancas do rio Uruguai, que corta a então missão de San Tomé.

Enviado por Tópico
RicardoC
Publicado: 29/06/2015 14:43  Atualizado: 29/06/2015 14:43
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 Re: A TEINIAGUÁ
A cidade de São Tomé: na atual província de Corrientes - Argentina, era uma das missões jesuíticas da bacia do rio da Prata. Às margens do rio Uruguai, fica em um meandro que cerca a povoação desde o norte até sudoeste.

O Cerro do Jarau: Trata-se de um conjunto de elevações que se destaca no pampa circundante. Localizada no município de Quaraí - RS, isto é, à margem oposta do rio Uruguai e a cerca de 200km da Vila de São Tomé.

Enviado por Tópico
RicardoC
Publicado: 29/06/2015 22:52  Atualizado: 29/06/2015 22:52
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 Re: A TEINIAGUÁ
O final da lenda na versão de SIMÃO LOPES é muito complicado e mesmo menos verossímil: a moura é transformada em tapuia! Muito mais simples, penso eu, é presumir que o sacristão fosse já ameríndio. A princesa enfeitiçada, da Espanha islâmica, era branca e européia. Mais simples para a formação do mestiço latinoamericano.

Enviado por Tópico
RicardoC
Publicado: 30/06/2015 10:33  Atualizado: 30/06/2015 10:33
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 Re: A TEINIAGUÁ
Em Minas, usa-se a palavra "tiú" para designar lagartos grandes. A forma dicionarizada, oriunda do tupi-guarani, é "teiú", que compõe o nome indígena da salamandra de carbúnculo, i. e., Teiuaguá.

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RicardoC
Publicado: 30/06/2015 15:16  Atualizado: 30/06/2015 15:16
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 Re: A TEINIAGUÁ
"Alma forte e coração sereno". Mote repetido pelo gaúcho em todas as provas de coragem na versão de SIMÃO LOPES para a lenda.

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RicardoC
Publicado: 30/06/2015 23:19  Atualizado: 01/07/2015 14:56
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 Re: A TEINIAGUÁ
O mais estimulante em se recontar as lendas é a liberdade de interpretação que a narrativa mítica permite. Quer como explicação do inexplicável; quer como argumento sempre remodelado por quem o conta; a lenda ou mito é a história que nos faz pensar a realidade coletiva por meio de heróis e anti-heróis.

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RicardoC
Publicado: 01/07/2015 14:55  Atualizado: 01/07/2015 14:55
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 Re: A TEINIAGUÁ
"Jaguaretê": do guarani: ya'war-e'te "fera verdadeira". Com a colonização, a palavra "jaguá" usada para feras em geral passou a designar os cachorros trazidos pelos europeus. Portanto, para diferenciá-los das onças, os ameríndios introduziram o sufixo "ete" que significa "verdadeiro". Hoje, "jaguaretê" é o nome dado às onças pintadas e "puma" às onças pardas.

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RicardoC
Publicado: 02/07/2015 00:16  Atualizado: 02/07/2015 00:16
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 Re: A TEINIAGUÁ
Apesar de não estar dicionarizada, o vocábulo "salamanca" é definida como "furna mágica" em "Lendas do Sul", em referência aos lugares ermos. A palavra remete a Salamanca, na Espanha, onde corriam lendas seculares a respeito de esconderijos de grandes tesouros guardados por princesas enfeitiçadas. Aparentemente, os jesuítas trouxeram tais relatos à América do Sul.

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RicardoC
Publicado: 06/07/2015 16:13  Atualizado: 06/07/2015 16:13
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 Re: TEINIAGUÁ - a salamandra do carbúnculo.
Em função do título do próximo épico folclórico da série -- a saber, DONA BRANCA, RAINHA - a mula sem cabeça -- mudei o título do poema salientando a entidade sobrenatural no subtítulo. Assim, tem-se: TEINIAGUÁ - a salamandra do carbúnculo.

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RicardoC
Publicado: 08/07/2015 04:00  Atualizado: 08/07/2015 04:00
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 Re: TEINIAGUÁ - a salamandra do carbúnculo.
Tenho trabalhado em outro poema em trezentas rimas em redondilha maior, esse, sobre a mula sem cabeça. Espero que tenha sucesso.

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RicardoC
Publicado: 08/07/2015 12:39  Atualizado: 08/07/2015 12:39
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 Re: TEINIAGUÁ - a salamandra do carbúnculo.
Na narrativa de SIMÃO LOPES, o herói gaúcho tem nome: Blau Nunes! Desconheço totalmente d'onde pode tê-lo originado.