São João dos Milagres
Existe uma cidadezinha muito pequena perto de Salvador, que se chamava Ruinópolis, o lugar era uma verdadeira ruína como sugere o seu nome, ou até seria pelo comportamento dos seus moradores, ninguém sabe.
No centro desse lugarejo existia a comunidade mais influente, com empresários e funcionários da prefeitura, grupo que não se misturavam, eram verdadeiros rivais.
Onde um dizia que era para construir abrigo, outro queria construir mercado e vice versa.
Um dos mais influentes era o tal Zé dos Pombos, funcionário público aposentado, como o nome sugere, o homem administrava agora uma criação desses animais alados que sujavam a praça inteira, incomodava todo mundo, mas ele continuava no seu intuito de criar os animais a céu aberto, construindo um pombal no centro do obelisco.
Sua amiga mais próxima chamava Célia, que por sua vez amava os caninos, onde surgia latido, estava ela cuidando dos danados.
O seu primo Zé dos Bodes resolveu imitá-la, investindo numa criação desse animal na garagem, mas ali os caprinos só passavam a noite, porque eles dominavam a praça do centro da cidade.
Os animais sujavam tudo, nem adiantava o padre Gonçalves pregar em praça pública sobre tolerância, pois dava a maior confusão.
Nessa cidade ninguém se entendia, todos queriam fazer o que desejassem, os empresários, assim, resolveram inaugurar uma boate na praça junto à igreja que dava a maior confusão, pois André, o mais influente deles, coletou assinaturas da maioria das pessoas, dizendo que iria fazer um centro social urbano, mas na verdade fizeram um mini centro comercial, que depois de construído ninguém se manifestou contra, pois o lugar era um terreno da prefeitura e como as pessoas pensam que o que é público não é de ninguém, deixaram para lá, só fazendo resmungar entre os seus vizinhos.
Nesse centro comercial existia uma boate que dava a maior confusão, pois vinha gente de todos os lugares, até de Salvador, para provar o caldo de sururu do Seu Bernardo. O pior é que não tinha mais lugar para estacionar, o que gerava mais confusão ainda, pois o estacionamento era mesmo na rua ou na porta de garagem da vizinhança; não tinha fiscalização nenhuma que desse jeito, resultando em muitas brigas.
Assim a sociedade seguia no seu daltonismo sentimental, onde ninguém era amigo de ninguém, sempre queriam algum de troca, pensando ser mais esperto do que o outro.
A cidade ia se destruindo com o tempo, o lixo era acumulado logo na entrada da cidadezinha, chamado até de “lixão dos desesperados”, pois ali se encontrava de tudo, onde vinham muitos badameiros de tudo quanto era lugar.
Certo dia, apareceu um homem chamado João, dirigindo um caminhão de laranjas, ele percorria a cidadezinha toda oferecendo o seu produto.
O senhor era hostilizado, porque naquele lugar não cabia mais nada, era boate, estacionamento, bodes, pombos, cães e tudo que você pudesse imaginar.
Ao chegar a data magna do município, São João, padroeiro da cidade, eles não sabiam mais o que fazer para organizar a tradicional quermesse junina, evento tão comemorado quanto o Natal.
Dona Zélia e Seu Luan, moradores mais idosos do lugar, eram os responsáveis pela organização há décadas, só que o lugar onde faziam o festejo era o antigo terreno da Associação dos moradores, que agora se transformara na oficina de Seu Nelinho.
- Agora o que iremos fazer?
Disse seu Luan.
Eles marcaram uma reunião com a comunidade, sabendo do grande risco que era, pois ninguém aceitava ninguém como vizinho tampouco como amigo.
A data marcada para o dia doze de junho foi estratégica para ver se o amor prevalecia entre os cidadãos daquela triste e complicada cidade.
Chegando no dia, a turma toda estava reunida:
Seu Zé dos Pombos logo disse que não iria dar certo, pois iria atrapalhar o pombal que tinha construído do lado da estátua do criador da cidade; Dona Célia ratificou que seus animais não iriam sair prejudicados, começando o maior burburinho; foi quando o padre Geraldo gritou por socorro, dizendo não aguentar mais por tamanha desunião.
Nessa hora o vendedor de frutas tomou a palavra, dizendo ter chegado a pouco tempo e nunca viu uma cidade com tamanha desunião, com tantos problemas, que a cidade estava sendo mal falada em toda as regiões que passava, que Ruinópolis estava se destruindo, não possuía mais um serviço que funcionasse corretamente.
Ele lembrou do negativismo que permeava o lugar, onde nem as crianças são felizes, pois não tem mais pracinha para brincar, porque o lugar era habitado por todos os tipos de animais.
O homem saiu vaiado do lugar, onde os próprios seguranças da prefeita Nilda, defensora dos animais, trataram de colocá-lo para correr, terminando assim a reunião, resultado na suspensão da festa por tempo indeterminado.
O nosso amigo Luan saiu consternado, até passando mal, dizendo que as pessoas pensam que o que é público não é de ninguém, muito pelo contrário, que só irão se unir quando acontecer uma tragédia, pois tem muita gente que é assim, só se une depois dos desastres.
Passados alguns meses Seu Luan adoeceu e ninguém sabia o que ele tinha, teve que ir às pressas para Salvador, pois ali nada funcionava, descobrindo que ele estava com uma doença grave por causa das fezes dos pombos, deixando muita gente consternada.
Foi uma verdadeira comoção, a praça foi interditada pela Secretaria de Saúde do Estado da Bahia, que fez uma verdadeira limpa.
Muita gente falou que foi por causa do padroeiro da cidade que não teve a sua festa, mas agora nada adiantava, pois o nosso moribundo passou dessa para melhor, sendo um grande grito de alerta para todos, que de uma hora para outra passou a se organizar, gerando muita confusão no início mas no final resolveram se unir e até mudar o nome da cidade para São João dos Milagres onde o novo prefeito, o tal João das frutas, resolveu organizar a cidade, plantando árvores frutíferas e organizando o serviço publico, tornando o lugar muito conhecido no seu maior evento: a festa de São João, com o Festival das Laranjas.
O nosso prefeito chegou até a criar uma pracinha com o nome do morador mais querido da cidade, o Seu Luan, onde ele deixou a célere frase:
- As pessoas só se unem depois dos desastres.
Marcelo de Oliveira Souza,IWA