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Existe razão para o amor?

 
Venho caminhando pela rua, já é tarde, sinto que minha única companheira é a solidão. Os pensamentos estão distantes, confusos, complexos e sombrios. Há alguns dias minha vida tem feito pouco sentido, parece que tudo está propício a dar errado e que as coisas já não são alegres como antes (sinto que uma sombra maligna resolveu pousar sobre a minha alma e me fazer uma fiel sofredora). Tudo que eu tive, até esse momento, sinto que perdi. Perdi amor, perdi amigos, estou prestes a perder o emprego e perdi o principal: a vontade de acordar todas as manhãs. A caminhada é longa, mas confesso que não reclamo. Ela serve para que eu reflita sobre as vantagens de viver e as dores que estar viva. Não vejo sequer a Lua no céu, acho que até ela resolveu se afastar de mim.
Eis que surge uma garota em um ponto de ônibus e me pede uma informação: "Onde fica a Rua Primavera, moça?". Eu fiquei paralisada por alguns segundos antes de responder, observando o quão bonita ela é, mas com muito esforço as palavras saíram da minha boca: "Estou indo para a minha casa e passo por essa rua, posso acompanhá-la até seu destino". A moça se apresentou, seu nome é Beatriz, e está indo visitar uma tia que há tempos não via.
Fomos conversando durante o caminho, falamos sobre política, carreiras, viagens, família e relacionamentos. Contei que havia terminado com uma garota e parecia que a partir dali, tudo havia se desequilibrado em minha vida, era como se ela fosse um talismã e eu tive o azar de perder. Beatriz relatou que não tivera sorte no campo amoroso e talvez fosse incapaz de amar, mas que ainda tinha uma última aposta. Confesso que fiquei um pouco assustada com tal afirmação, mas acabei mudando o assunto, ficamos por uns cinco minutos falando sobre política (o que foi engraçado, pois não é um assunto comum entre duas garotas e ela tem um ótimo senso crítico). De repente surge um silêncio, ela olha profundamente nos meus olhos e sorri. Quando nos demos conta, estávamos abraçadas, ali, numa rua totalmente silenciosa e talvez já fosse próximo da meia-noite. Guiadas pelo desejo, nos beijamos com tanta intensidade que a Lua que outrora havia sumido, brilhava com um tom prata no céu. Até pouco tempo atrás estava frio, só que eu já não era capaz de distinguir o que era calor e o que era frio, só conseguia sentir o gosto daquele beijo e o caminhar das mãos de Beatriz pelo meu rosto.
Após compartilharmos um pouco dos nossos desejos, seu celular toca: Era sua tia, já preocupada com a demora da sobrinha. Rapidamente a levei até seu destino, me despedi e virei as costas. Senti algo sendo colocado no meu bolso, mas hesitei em olhar, até mesmo porque poderia ser só o vento. Continuei meu caminho, mas já me sentia outra pessoa, parecia que aquele beijo fora capaz de sugar toda a dor que vivia em mim. Cheguei em casa, tomei um banho, jantei e quando estava mergulhada em um de meus livros, resolvi olhar o que possivelmente havia sido colocado em meu bolso. Era um pedaço de papel com uma espécie de recado: "Obrigada por me mostrar que ainda há chance para o amor. Há dias eu te via passar na rua da minha casa, mas não tinha coragem de me aproximar, talvez por timidez. Então criei um "motivo" para conseguir ouvir sua voz. Amanhã estarei no mesmo local e no mesmo horário, só que dessa vez, eu que irei te levar para a casa e se depender do que eu quero, irei levá-la para sempre."


"Até que o sol não brilhe, acendamos uma vela na escuridão. - Confúcio"

 
Autor
Chikane-Chan
 
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