No fundo do mar
A navegar ainda de olhos no sono,
São os lençóis, lençóis de mar…
E o meu corpo… um peixe azul…
Um peixe azul…em azul de mar.
Atravesso o oceano…
Num papel rasurado…sem rosto,
Sem vozes, sem ilhas, rochedos…
Sem barcos, faróis ou cais.
Tenho guelras no lugar da pele,
Se acordo agora, em terra…sufoco.
Que me embalem as águas gélidas
Sobre o umbigo deste oceano.
Há outros peixes, seres obtusos,
Seres pontudos! Tantos outros seres…
O desconhecido do até já inventado.
Não me acordem agora. Suplico-vos.
Passa uma baleia, gigante, tão gigante
Que julguei não caber entre as margens,
Mas por mim passou, olhou-me….
Desprezou-me, prosseguiu emproada.
Que ser este, este que me olha agora,
Será peixe? Peixe não será…ou será…
Olha-me desafiante, mede todas as poses,
Todas as minhas guelras e deixa-me passar.
Um cardume em frente…o que farão?
Como seria de prever mastigam as rezas,
Olham-me como se prostituta fosse,
ou como se chegasse pra lhes roubar o lugar.
Engraçado como se parecem, parecendo
Ao abstracto parecer dos humanos.
Estranhos seres que como eu, neste lugar,
Estamos, passamos e vemos outros passar.
Outrora sonhei com o cantar dos búzios,
Colhia-os na areia da praia alta, ouvia-os
Como se o murmurar das suas ondas,
Falassem do meu lugar, mentira!
Este não é o meu lugar …
Faz-me falta o infinito azul do céu,
As cores terrenas das árvores e das flores,
Faz-me falta, o sabor do sol e da chuva.
Faz-me falta o musgo das manhãs,
O cantarolar dos grilos e das aves…
Faz-me falta, o alto da montanha…
E o simples cheiro do café, pela manhã.
Acordem-me agora. Suplico-vos…
Quero a minha pele de volta…
Quero as minhas margens…
Quero as asas nas minhas mãos.
de Maria dos Santos Alves
(todos os direitos de autor reservados)