A flor de pedra pulsava em sua mão, e Orfeo teve a nítida impressão de que segurava algo como um coração. Não um coração humano, mas tão quente e forte quanto um. Quem concebera aquela flor, ou pedra, ou pérola, como muitos preferiam chamar, não se sabe. Também nunca se soube o porquê. Mas o fato é que ela conferia uma vitalidade e uma sensação de vida jamais sentida por Orfeo antes. E agora, com tal relíquia em mãos, ele deveria voltar até Zack, e apresentá-la a ele...
Já havia muitos anos que Orfeo conhecia Zack. E havia um misto de medo e admiração que tomava-o todas as vezes que encontrava este servo do demônio. Não era um medo primal, um medo de sofrer ou morrer, ou ser levado para o inferno pelas mãos de Zack. Era um medo respeitoso, pois que Orfeo sabia que por trás daqueles modos comedidos e elegantes do estranho homem - ou seja lá o que ele fosse - havia um grande poder, que ele jamais revelava. Um poder de fazer qualquer coisa, inclusive, enfrentar um gigante de pedra e cobras aladas... Mas mesmo assim, todas essas missões foram dadas a Orfeo. Por que? Perguntava-se. Mas a relação dos dois, em todos esses anos, fora longe da relação de um servo e um senhor. Por muitas vezes Orfeo sentiu uma certa amizade entre os dois. Não uma estranha obrigação forçada por um contrato. Estranho... o que era o mal? O que era o bem? O que sei do mundo, de verdade, por trás do estranho véu que o cobre? Pois que naquela mesma época, quando as aventuras de Orfeo tiveram o seu desenrolar, a própria igreja católica em nome de um suposto bem, executava mulheres, velhos e crianças. Vendia perdões celestiais, se corrompia diante de reis e imperadores, e negava liberdade e conhecimento aos mais simples. Era indulgente com os poderosos, e implacável com os humildes. Que mundo estranho... pensou Orfeo.
E foi justamente por pensar em todos os poderes de Zack, que Orfeo estranhou ao vê-lo recuar diante da pérola de Lábara. Ele, a quem já foi visto entrar numa igreja, ou mesmo não recuar diante de um crucifixo, recuou diante da flor.
Meio sem jeito, Orfeo ocultou-a das vistas de seu mestre entre o colete que trazia.
- Muito bem, Orfeo. Recuperou a pedra de Lábara – disse Zack.
- Eu tive ajuda.
- Eu sei que teve, Orfeo. Agora, com a pedra de Lábara poderá extinguir as chamas nas planícies de Laureal. Se fizer isso, o vale e o lago congelado ressurgiram para a vida, e voltarão a ser o que foram um dia. Um extenso e verde vale cheio de vida e beleza.
- Como ela poderá me ajudar, Zack?
- A pedra é a chave para uma terra antiga e há muito esquecida. E é lá que encontrará aqueles com poder o suficiente para apagarem o fogo que consome Laureal há centenas de anos sem cessar.
- Como poderei encontrar a porta que me dará acesso a esta terra?
- Na cordilheira do Cáucaso, as mais altas jamais vistas. Lá, num altar entre altas formações rochosas feito dentes, deverá plantar a pérola que trazes consigo. E então, terá acesso à terra esquecida.
- Entendi. E como eles poderão me ajudar?
- Os habitantes das nuvens, os tempestários ou nubeiros, poderão criar uma chuva jamais vista, que apagará o fogo de Laureal, e trará vida de volta ao vale.
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