Vagueio pela encosta escarpada indiferente à tempestade louca que me cerca pelo mar, céu e terra, e me encharca, gélida, o meu corpo. Os céus abrem-se em catadupa, vertendo cortinas rasgadas de água, e o vento ruge furioso em protesto tentando afugentá-las para longe.
A terra nega-se a absorver lágrimas copiosas e gera-lhe leitos sinuosos onde escorrem amalgamadas em rias. O mar enlouquecido brama as dores das entranhas recortadas pela falésia e, violento, recomeça um combate de desgaste, fúria incontida de dor que me absorve, ensurdecendo-me.
Sento-me nas fragas de equilíbrio frágil, observando a luta titânica da natureza em fúria, e mergulho no abismo de mim evocando memórias e sentimentos idos. Cada ribombar de trovão é o tambor que comanda a marcha de cenas trágicas, os raios iluminam o palco por instantes, e os fantasmas soltam-se embriagados.
No horizonte do mar de ondas gigantes vejo vultos de sereias, vogando, ágeis, que me acenam sinais desconhecidos, para mim, como as vozes emudecidas. Mais no alto, voam pelo breu celeste vultos transparentes que ascendem e caem velozes em arabescos irisados formando imaginadas linhas rituais.
Por entre o verde humedecido da terra surgem trepadoras ninfas da floresta que me enlaçam de heras sufocantes, negando-me a ousadia da morte fácil. Arrastam-me, indefeso, para a gruta fétida da minha mente em convulsão eminente, condenando-me ao meu cárcere interior, mais negro recortado de vermelho infernal.
Neste silêncio, que ecoa o temor de mim, cerro os olhos na desesperada tentativa de afastar os medos e as incontidas raivas que se destilam de cada poro de meu ser. Neste silêncio, sei da sublimação da musa, minha companheira de má-sorte, em vida atribulada pelo meu desespero galopante de me negar a ser o seu patético poeta.