Quando acordo assim triste e desmotivada penso em ti, em ti onde quer que estejas. Em ti a quem beijei na boca por vez primeira debaixo de choupo encarquilhado no meio do rio. Era menina e sonhava com o amor platónico e dedicado. E desde aí me dediquei. Dediquei-me a um rapaz rebelde, que me trazia James Dean à memória e emoções únicas ao coração. Emoções que se iniciaram precisamente no momento em que seguraste a porta para que entrasse com um sorriso nos lábios e um brilho malandro no olhar. Por momentos, aquela escadaria fez-se enorme enquanto a subíamos alegremente com vontade de nos conhecer. O teu olhar, o teu sorriso, o teu andar, em memórias com muitos anos de idade, conduzem-me a um bem-estar a que jamais regressei e que tento arrastar para o meu presente insatisfeito.
Quando estou assim também penso em ti, em ti que me fizeste voar por céus de chãos conhecidos e por experiencias desconhecidas e entusiasmantes. Em ti, a quem amei na soleira da igreja no cimo do monte e mesmo assim não desrespeitei Deus. Amei profundamente à Sua porta mas como amar é o mais nobre dos sentimentos, devemos ter tributado todos os Deuses que se encontravam despertos àquela hora da madrugada com o nosso imenso e suado amor. Mantenho memória viva de um calor enérgico e de um céu estrelado e luar claro por cima dos nossos corpos nus que brilhavam extenuados em noites longas de Agosto. Jamais regressei aquele local mas estou certa que se um dia o fizer deverá ser contigo novamente porque pecado seria substituir as boas memórias tuas de antes por memórias de outros atuais. Só desejava momentos felizes, agarrar os momentos e permitir que estes me agarrassem antes que fosse tarde. E que ótimos, apesar de escassos, partilhei contigo. Trago até mim essas memórias antigas e melhora o meu ânimo para todo o resto de dia.
Quando amanheço negativa também me vens tu à memória, tu que em mais do que muitos anos de ausência não te apagaste do meu coração, tu que marcaste para sempre o meu leito pela ausência. Tu a quem queria dizer que te amo mas que, não tendo conseguido ultrapassar os meus pruridos, tripartidos de uma jovem que queria AMAR o Mundo, sem deixar marca negativa em ninguém pelo caminho, te deixou escapar por entre os dedos. Lembro-me de quando te pus a vista em cima pela primeira vez na Faculdade, vindo nem sei de onde, porque para algumas poderia ter sido da revista que as segurava nos tempos quase livres de preconceitos, para mim de um romance de algum escritor dos que devoravam as fantasias da minha infância, de quem nem sequer tinha tempo de decorar nomes próprios. Nesse encantamento recordo vagamente (porque fechei essa gavetinha a sete chaves) um beijo doce e quente, e nele permaneço quando me quero animar para a jornada.
Lembro-me também de ti, de ti que te fizeste o primeiro a partilhar as minhas noites em permanência, de ti com quem adormecia em espaço curto e aconchegante que escaldava em noites de luar e vontades maiores. E que mais tarde se fez amplo, para depois se tornar amplamente vazio e triste, em noite de S. João de há alguns anos atrás, que me marcou para sempre o aniversário de dor e saudade. Mas recordo um amor calmo e sereno que nasceu no teu coração despedaçado e se desenvolveu em crescendo até despedaçares o meu. De qualquer forma pelo caminho boas recordações de uma relação de que me orgulhava e de um amor que me completava e que trago até mim quando preciso de me alegrar.