Aquela madrugada que irrompeu em nós,
*“dia inicial e primeiro”,
Esses ventos anunciando germinação
Aquela madrugada em que das cinzas renascemos
Sophia,
Repousa-me na garganta em estilhaços,
Aquele hino que ao colo do meu Pai
Há décadas ansiado
Sorrindo cantarolei,
Aqueles belos cravos vermelhos,
A transbordar o sangue fervilhante
De mim
Hoje são farpas rasgando-me as entranhas
Toda a quimera que inventei.
Aquela madrugada algures já perdida,
É como um denso nevoeiro
Onde ouço o grito da fome
Do meu Irmão
A sussurrar clemência pelo chão,
Passa por ele tanto capitalista
Mas nenhum lhe estende a mão.
Cegueira instalada e brutal,
Desdém!
Pobreza mais miserável que a própria fome
É a condenação à mesma!
Tal qual uma manta de retalhos
Velha e dolorida,
Fomos vendidos,
Hipotecaram nossas vestes
Cobrindo-nos de maldição e vergonha.
Vertem lágrimas
Os craveiros vermelhos que gritaram
No peito daquela madrugada
Repousa tu aí sabedoria eleita,
Teu leito de Liberdade,
Eu permaneço pela enseada
Nas asas das gaivotas
A cantarolar como se ainda estivesse
Ao colo do meu Pai.
(*Sophia de Mello Breyner)
© Célia Moura
É dedicado a Sophia de Mello Breyner este poema e a todos os que sonharam com aquele “dia inicial e primeiro”, um dos poemas mais lindos que li sobre o 25 de Abril.
C.M.
© Célia Moura