Contos : 

A Estrada

 
Como todas as coisas que são vistas ou ouvidas, nem tudo é o que parece ser. Quando se escreve muito, qualquer coisa, de um rabisco a uma redação, passando por coisas tolas até um romance de quatro mil páginas, começa-se a perceber que as palavras são inúteis para certas coisas. Servem apenas para diminuí-las, aprisionando-as no conceito limitado do gênero humano. As palavras são limitadas por si só, é da natureza delas. Traduzir a divindade por um nome, o sentimento do amor por um termo, é reduzi-los por completo à palavra em si. Algumas coisas não podem, e nem serão traduzidas em gráficos, nem em sons, nem em conceitos... Apenas poderão ser experimentadas e sentidas, talvez, para sempre guardadas. Como as palavras podem expressar o sentimento do sol da manhã, nas colinas de prados inexauríveis? Elas apenas irão diminuí-lo, bem o sei... As palavras não são as heroínas, são os algozes do sentimento. Por isso, o universo inteiro é silencioso, e lá não se ouve um assovio sequer. A “explosão” que formou o Cosmo atual foi um caleidoscópio de cores, num giro fenomenal de luzes, aromas e silêncio... Disse alguém, um dia: “Diante de sua grandeza, o universo inteiro não deu um pio”. No entanto, o criador é o Verbo (pois verbo é palavra) – talvez por isso mesmo, indefinível.
As estradas são assim, nunca são o que parecem ser... E palavra alguma jamais poderá traduzi-la devidamente. Caminho, passagem, senda, alameda, via, trilha, vereda... Muitas palavras para dizerem uma coisa só, sem nunca dizer nada...
Uma estrada é um percurso... Uma jornada que se segue... E nunca é sobre vitória e nem sobre derrota. Não é sobre a vida e sobre a morte, e nem mesmo sobre o amor... O vitorioso de hoje, pode ser o derrotado de amanhã... e às vezes, há muito mais coisas admiráveis numa derrota do que numa vitória. É só saber olhar direito. Viver, morrer... irmãs tão próximas, ou apenas faces da mesma moeda... Ou apenas pontos de vistas diferentes sobre a mesma coisa... Depende da escolha, e é tão certo que um ou outro pertencerão a nós, em algum tempo nesta estrada, que ocupar-se deles seria tolice. Quanto ao amor... permeia o infinito de tal maneira, e é a força mais atuante de toda a natureza, que fatalmente pertencerá a todos um dia – embora exista uma resistência a ele por aqui – assim como o oxigênio pertence a água, de tal modo, que de certa forma, nunca estivemos separados dele, e nos cerca por completo, a despeito de nós mesmos.
Mas e então? Sobre o que é viver? Se não é sobre ganhar e perder, se não é sobre viver ou morrer, e nem sobre o Amor...
Viver é como tudo o mais. Não pode ser traduzido em palavras. Mas há algo que é preciso que se saiba... A Estrada tem a ver com não se esquecer... Toda a vida humana é sobre jamais se esquecer de quem somos. É Reter dentro de si a verdadeira natureza, pois, apesar de toda a ilusão do mundo, e de todas as artimanhas usadas para nos manter de olhos fixos no chão, iludidos com espetáculos, luzes e sons... Existe aquele momento em que se olha pra cima. Fixa-se uma estrela, sorri-se brevemente e se oculta uma lágrima. A estrela estava tentando reavivar na sua memória milenar a sua natureza inicial, o lugar de onde veio, o seu lar adormecido lá dentro no âmago do seu íntimo. Porque,Tudo sempre foi sobre não se esquecer. Você pode se perder numa estrada por um momento, mas logo vai se reorientar de novo e tomar o caminho de volta. Mas se você se esquecer para onde está indo, então a estrada não terá mais sentido para você. Pois nunca ousamos nos esquecer daquilo que amamos. O cérebro se lembra das coisas, mas o coração jamais se esquece.


j

 
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London
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