Quando eu entrei num estado de relaxamento tão profundo, que mal conseguia mexer as minhas pálpebras, comecei a cair vertiginosamente numa espécie de abertura negra da realidade, e abaixo de mim crescia uma estranha fogueira onde um hino estava sendo tocado por meio de tambores e muitas pessoas em volta. À medida que eu chegava, o som aumentava e mais da canção era ouvida.
Era estranho, porque não era o que eu esperava encontrar. Era em algum lugar no meio de uma floresta, à noite, e a leve claridade da chama da fogueira iluminava as pessoas em volta, e parecia à primeira vista, pelas roupas e pelos cabelos, serem Celtas de uma época remotíssima. Fiquei preocupado quando pensei na possibilidade de cair entre as chamas, porque embora fosse num mundo astral e de certa forma “imaterial”, tudo nele era de uma realidade tão assombrosa, que eu via cada veia nos estratos das folhas, e qualquer coisa do mundo desperto seria um simples arremedo da concretude que eu via lá.
E foi exatamente no momento da minha preocupação, que uma mariposa gigante, maior que uma casa, passou num rasante e permitiu que eu caísse sobre as suas costas. E assim ela me levou num voo triunfante por sobre toda aquela paisagem insólita, que a simples menção de tentar descrevê-la aqui me põe a cabeça a doer e me faz ter vontade de chorar. Mas não é chorar pela dor, mas pela saudade do que se vê.
Na verdade vivi ali uma vida inteira. Devo dizer, que maior ainda do que a que estou “vivendo” aqui. Lá fui filho, pai e amigo. Tive – tenho – uma família enorme. Subi montanhas indescritíveis! Desci riachos multicores. Explorei florestas inimagináveis. Até “acordar” e descobrir que fora tudo numa noite... numa única e simples noite! Mas lá foram cento e cinquenta anos, contados ano a ano... dia a dia... evento a evento... Pois não é fácil esquecer-se de lá.
“Acordado”, já, neste mundo cinza de concreto humano, olho pela janela. A rua lá fora, os meus olhos pesados, a sensação estranha de não-pertencimento. A realidade estranha com a qual me deparo... pessoas comendo pessoas... guerras... exploração... pestes. É o século XXI, como convencionou-se a chamar. Pergunto-me se o sonho. Se é um pesadelo... Pergunto-me também se sou eu que o sonho... Se sou o sonho de um sonho, como fora o meu um sonho atrás...
Dizem que somos o sonho de Deus. Acho que somos mesmo. Sei que é difícil entender...mas igualmente difícil é entender o mundo dos homens, onde todos se dizem acordados, e vivem como se nunca tivessem despertados.
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