Como o morto nunca nos diz nada
vem daí o extremo penoso da sua presença
(...)
Colam-se nos com o suor, à ilharga
e um corujão sagrado de penas de seda, aloja-se
perpetuamente em nossa nuca.
O pio que nunca chega é o castigo
(...)
Somos muitos, somos todos um
mil patas de reverência
(...)
Passa a revoada matinal das rolas
E os olhos de todos seguem-nas, numa alegria sem contexto
até se arrependerem
na orla do pinhal e no tossicar do cura.
(...)
Sofrem que lhes fale sem brevidade. Assim é preciso.
Apenas o raio é rápido, apenas o acabar, o cindir
dos elementos é misericordioso embora não fugaz.
Fugaz é o lento subir da sequoia em mil anos
fugaz será o amadurar do cristal de rocha, e eu não diria
ser fugaz um tampo de galáxia se o não soubera.
João Pedro Grabato Dias, poeta moçambicano.
* O Morto é um longo poema sobre a experiência da morte, abordada com “o pudor das coisas demasiadas” (oxímoro que o poeta repete em vários livros).
O poema desencadeia numerosas associações mas desta vez mais existenciais que estéticas. A ode espraia-se como uma onda que surfa numa lenta reflexão, visando claramente um “pathos”, pois ( e por aqui se incute o didatismo da ode) só no reconhecimento dos limites (que a vigília sobre a ausência do morto desperta) reaprendemos a exumar as emoções devidas àqueles que por breves estações são os condóminos do nosso espaço biográfico e que a luxuriante despersonalização pelas palavras alienou. Mesmo a noção do ritmo que nos ejecta as palavras é, nesta acareação com o morto, posta em causa. Vemos assim como a presença da morte suscita uma nova cartografia para a recepção dosvínculos e para a oleosa exterioridade do mundo. (In: Revista de Cultura Agulha, no. 60, Fortaleza - São Paulo, novembro/dezembro de 2007.
Pintura: Rene Magritte.