Contos : 

O Poder Mágico das Palavras

 
Há mais ou menos 2.400 anos atrás, alguém descobriu que um belo discurso, uma voz bem imposta, e belas palavras, mesmo que portadoras da mais sórdida mentira, seriam capazes de arrastar corações e mentes. A alma do homem precisa de palavras, assim como o corpo de remédios, foi o que disseram. Esta fora a mais brilhante descoberta da história humana! Que roda que nada... Há 2.400 anos, políticos, advogados, cientistas, religiosos, espertinhos e psicopatas sociais veem usando as armas da palavra para ludibriarem e conseguirem o que quiserem, de quem quiserem. Nesses anos longos, viemos caindo no bom e velho conto do vigário! Votamos, perdoamos, e até idolatramos aqueles que sabem nos pegar pelas palavras...
A estátua de Eritônia era tida como o mais sábio e místico de todos os oráculos de Ambdera, Atlântida. Tudo o que se perguntava a ela era respondido. Nada ficava a dever! Ninguém jamais a questionou. Como questionar a resposta que você esperava receber, dita com tanta maestria e brandura? A verdade não existe, ela está nas palavras bem ditas e bem entonadas. Todo o resto é convenção. Convencionamos chamar o verde de verde, sendo que a palavra verde só tem sentido na língua portuguesa e na nossa cabeça. O verde nem sequer existe. Tudo são conceitos. A estátua, ou quem a manipulava, sabia disso!
Atlântida estava se tornando por demais desenvolvida. Era um povo inteligente, dinâmico, sábio. Já sabiam até voar como os pássaros em suas vimanas, e em breve partiriam o atómo, tornando-se uma ameaça para Lemúria, a cidade que não era uma ilha...
Lemúria sempre vigiou Atlântida de perto, plantando no coração de seu povo crenças em deuses e em oráculos, por que um dia isso poderia ser útil... A verdadeira vitória na guerra consiste em estar um passo a frente do inimigo, mesmo que o inimigo nem saiba que o é. Lemúria estava a léguas! Milhares de anos atrás, e eles já faziam experimentos psicossociais, influenciando o que o povo de Atlântida amava, pensava, fazia, ou pensava em amar... e nem havia televisão lá heim!
É, e eles tinham a maior arma de todas. A arma atômica? Não, a palavra!
Seduzidos por uma estátua que falava, orgulho de toda a ilha, pois em lugar algum havia igual, o povo de Atlântida iria sucumbir. Ora, mas eles não eram inteligentes, sábios e coisas assim?... Como iriam ser enganados por um fantoche de pedra? Pessoas inteligentes e sábias do mundo inteiro ainda caem diante de um discurso bem produzido, bem falado, bem escrito. Um tom correto de voz, uma postura bem pensada do corpo, um olhar bem dirigido...
A estátua de Eritônia convocara o povo para uma assembleia diante da praça. Trezentas mil pessoas estavam lá. Todo o povo de Atlântida! Com os seus filhos, netos... amores... com o seu saber... E a estátua entoou um discurso que os levariam às lágrimas:
"Sinto muito, mas não pretendo ser eterno. Não é esse o meu ofício. Não pretendo chegar ou seguir quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possível – homens, mulheres, crianças... brancos .... vermelhos....
Todos nós desejamos ajudarmos uns aos outros. Os seres humanos são assim. Queremos viver pela felicidade dos outros, não pela miséria dos outros. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.
O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.
Podemos voar, nos comunicarmos à distância... A própria natureza dessas coisas é um apelo eloquente à bondade do homem... um apelo à fraternidade universal... à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas... milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.
Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os inumanos!
Lutai pela liberdade! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela... de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, saltemo-nos para um mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.
É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Pulemo-nos todos dentro do grande vulcão que coroa a nossa esplêndida ilha, pois lá se encontra a porta para a grande e incomparável vida que nos aguarda. Transbordada dos nossos melhores e maiores sonhos, que infeliz nenhum jamais poderá tocar!"...
... E assim, naquele ano, saltaram todos os atlantis para dentro do vulcão... como na segunda guerra fizeram mais de mil japoneses de Saipan, a mando do imperador Hirohito, para não se renderem aos americanos...
O vulcão, com tal volume de gente a entupir-lhe as vias, entrou em erupção e destruiu para sempre a ilha de Atlântida, que agora jaz escondida num lugar que ninguém merece saber. Lemúria continuou, espalhou-se pelo mundo e tornou o que somos agora. O brilhantismo e os segredos de Atlântida foram, talvez, para sempre enterrados.
Muitos Lemurianos ainda estão por ai. Ainda continuaremos a ser enganados por palavras...
Acredita, você, no que eu digo?


j

 
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London
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