CarlosAlexandreNascimento
O INQUILINO
DOS
SONHOS
CAPÍTULOS
CAMUNDONGO TINHOSO
A COBRA EMPLUMADA
O DUELO
O BAU ESCONDIDO
A INVESTIGAÇÃO
O DESPERTAR
CAMUNDONGO TINHOSO
Desolado em terror ante insano tormento
Na fissura que fende o caminho adentro
Toma posse o inquilino franqueado destino
Sobre o grito cortante do pavor repentino.
No assoalho gelado corre o olho vidrado
Vespertino momento de um acaso em descaso
Instalado em oculto no quarto fechado
Rota fuga ele traça pela fresta encontrada.
-Que há outra vez? Ecoa o sussurro
No ouvir do barulho desassossego noturno
-não é nada de novo
Camundongo tinhoso
-De volta pro ninho
-Com seu queijo gostoso
Na madrugada furtada do semblante caído
Pelo sono perdido em seu sonho acordada
E a vontade eminente em anseio ardente
Lesa as mãos inocente desenfreado sabor.
Repelente incrimina sua mente assassina
Sufocando o prazer questionando o comer;
-O que fazes de novo, em tal habito faltoso?
-Que é isso que vejo descontrolada em desejos?
-Não é nada de novo torrãozinho gostoso
-Um docinho roubado da Zezé do mercado.
Começou aos pouquinhos por um simples ratinho
Em seu sonho acordada. E então sorrateira
Em tamanha leveza transformou-se em gata.
Torrãozinho docinho, um vintém no cofrinho
Mente descontrolada. Seu prazer é furtar
Possuída está, em seu gosto de ladra.
Por vulgar emoção, de seu lenço de seda
Mascarada beleza dupla face se faz
Escondendo seu rosto com luvas frias nas mãos
Sem digital no caminho perfeito é o crime
Litígio é religião.
A vizinhança sabia, em madrugada acordada
Não tinha porta trancada que não pudesse entrar
Só um pedacinho de queijo pra abrandar seus desejos
No sussurrar de seu nome: Felina vem degustar.
A COBRA EMPLUMADA
No quarto vizinho ao lado, a voz que balbuciava ao fundo
Silêncio profundo se fez. Já em alta madrugada
Por traz da mobília pesada ela sonha outra vez.
Repelente o movimento é sagaz
Emplumada a víbora é dengosa
De olhar sedutor bem vulgar
E enroscando-se maliciosa
Esconde-se fria a serpente maldosa.
-Que é isso que vejo em ti
-Extravagante em vermelho tão cedo assim
-Produzida e muito maquiada
-Parecendo uma cobra emplumada?
-Meu batom, tem fisgada certeira
-E o olhar sedutor da paixão
-Cascavelo por cima do salto
-Ao encontro de muita emoção.
Pobre Irmã de Felina, cujo nome de profissão
Era Lola, de muitos amores
Muitos sonhos perdidos em prisões
Assediada desde menina
Pelo tonto do seu meio irmão
Cometendo incestos terríveis
Cresce Lola vinda do sertão.
Criou-se por entre as vielas
De uma tão perigosa favela
Já tão cedo expulsa de casa
Prostituta, cobra emplumada.
A paixão cambaleava de amores
Questionando o porquê da razão
Com seu copo escoando de vinho
De pileque morre seu meio irmão.
Zé ruela apelido era herdado
Costurando os butecos no escuro
Com seu pai lampião de porteiras
Nos gargalos perdidos do mundo.
O DUELO
No terreiro de fulano Audencio
O pau d’água chefe de casa
Havia um cupinzeiro vazio
Que em forno de lenha fora transformado
Fazendo broa quentinha, tapioca pra Lola levada
Porem já em alta tardinha, deitado no calor das brasas
O exercito sai de mancinho, cupinzeiro pra dentro de casa.
Já vesgo pela bebida, sonhando meio que acordado
Sua cama desmancha aos pouquinhos
Cupinzeiro fazendo desgraça.
O criado também ta brocado
Feito em pó pelo bicho danado
Só sobraram as ferrugens da sala
Espingarda de sal carregada.
O cupim era muito guloso
Comia toda mobília do tolo
Até mesmo as calçolas de Audencio
Que pelado fugia correndo.
Foi então que tudo começou, quando sua cachaça passou
Acordado do sono indolente, seu compadre pra briga chamou
Com sua cartucheira nas costas, o sertão ele atravessou.
O compadre de audencio era o preto
Chocolate de muitos desejos
Trovador das modinhas nas noites
Sua sanfona escondia segredos.
Era muito chegado de casa
A comadre foi sua namorada
Eles tinham um caso antigo
Que ficou muito mal resolvido.
Ela sempre fazia questão
De dançar na festa do baião
Uma moda com o preto apertado
Que deixava Audencio irado.
Muita gente já desconfiava
Que o caçula era filho da farra
Era o preto quando criança
No trazer de suas lembranças
Quando o sol no sertão se escondia
Um assobio ao vento se ouvia:
- Eu começo esse refrão
-Batendo forte no pandeiro
-Pra dizer a ti compadre
-Vai cantar em outro terreiro.
-Minha sanfona é dengosa
-Me acompanha nessa prosa
-Pra deixar o meu recado
-Vosmecê nunca foi galo.
-Meu gogo é afiado
-Diferente do seu papo
-Minha espora mete medo
-Vai capar os teus segredos.
-Tenho dó da Joaninha
-Ela sempre quis ser minha
-E esquecer tanto desgosto
-Pois tu sempre foste um frouxo.
-Meu jardim já ta florido
-Muitos filhos eu reguei
-Diferente do compadre
-Que perdeu a sua fez.
-É ai que tu se engana
-O caçula da Joana
-Tem a cor de chocolate
-E já chora com a sanfona.
Quando Audencio o acorde ouviu
Seu pandeiro explodiu
Deixando o povo assustado
Pois o homem era bravo.
Muito vesgo de nascença
Via tudo embaçado
Mas agora estava cego
Pra vingar àquele agravo.
Só um tiro atravessou
A sanfona que tocou
No velório da Joana
Que caída ali ficou.
Já o Preto assustado
Com o destino inesperado
Morre ao lado da comadre
Pela bala que sobrou.
O BAU ESCONDIDO
Clandestina a luz é vermelha
De programa a dona do salão
Cafetina guardava segredos
Emplumada Lola do sertão
Foi chegando amuadinha
De barriga na jardineira
Ganhou a vida se vendendo
Cafetina sertaneja
Quando soube da noticia
Muito se entristeceu
-Mala pronta to de volta
-Com meu filho Zé Dirceu
Ele era bem fresquinho
De sapato amarelinho
Rebolava feito cobra
Chacoalhando o sapatinho
Um barulho no escuro
Da gaiola que dormia
A gatinha da felina
Fim da pena ela cumpria
Era tudo tão normal
Tudo muito casual
Insensível e criminosa
A apatia dessa ladra
Só fez dela um chacal
Pensamento de vingança
Muito sangue das lembranças
Era quase endeusada
Regougando a turba em massa
Da matilha em direção
Na mente só rebelião
Corre um papo de cadeia
Que um baú ela escondeu
Enterrando no terreiro
Do fulano que morreu
Naquela época antiga
O defunto era sepultado no seu lar
Foi cavando que se viu
Uma peça milenar
Um baú bem enterrado
Um mistério revelado
De uma vida criminosa
Muitos anos de um passado
Em sorrisos de emoção
Um tesouro escondido
Pensamentos tão perdidos
Muitos sonhos desvendados
De grandes decepções
Bem no fundo uma peça;
-Ratoeira que desgraça
-Isso aqui não faz sentido
-Felina sempre foi sarcástica
A gatinha entendeu
Bem depois que ela cresceu
Todo aquele aparato
Pra pegar tinhoso rato
-Que é isso escondido
-Se explique sem chilique
Gritou Lola decepcionada
Querendo toda a grana roubada
-Não é nada de tão novo
-asqueroso camundongo tinhoso
-com seu queijo a passar
-Ainda me lembro bem cedo
-No despertar dos desejos
-Da tão pequena criança
-O vai e vem roedor
-Roubando sonhos de amor
-De uma doce esperança
-E no despertar instigado
-Instinto insano aflorado
-Transformei-me na ladra que sou
-Em meio a uma madrugada
-Filhinha fique acordada
-Mamãe no quarto entrou
-Pra afugentar teus fantasmas
-E abrandar esse carma
-A ratoeira te dou
-Mas eu gostava daquilo, sentia até calafrio
-minha mente ele roubou, ficando só um vazio
-Ao enterrar o martírio, armadilha pro tentador
Acusadora a serpente, de língua dobre e ardente
Inflama a situação; - mamãe sempre dizia,
-Que tu não escaparias das grades daquela prisão.
-E agora ta arrependida, chorando as suas feridas
-Sem mascara de lenço na mão.
-Pois saiba que eu também já sonhei
-Com uma serpente emplumada
-Que um ovo em minha mente botou
-Fisgando minha alma excitada
-Chocando daquela malvada
-Devaneios lascivos de amor.
-Um dia mamãe assustada
-Ouvindo o chocalho dentro de casa
-Um carvalho na porta cravou
-E pra liberar o antídoto
-Pro veneno da cobra maldito
-Ao Dono da madeira clamou:
-Ó senhor que a cruz carregou
-Aplacando todo mal e a dor
-Cura todas as nossas feridas
-Pelo teu sangue mui redentor
-Mas eu nunca gostei de clamar
-Na boemia escolhi ficar
-To de volta pra vida noturna
- Prefiro esse ovo sempre chocar
O rapaz de sapato amarelo, vendo toda situação
Carabina de sal carregou e perdido saiu pro sertão
Sendo herdeiro de um lampião, os legados de um avô beberão
A INVESTIGAÇÃO
E por onde anda o pai dessa casa
Que destino será que lhe deu?
Em muitos anos de fuga escondido, vencido pelos tormentos surrados
Em consciência nos sonhos acordado, resolvi então escrever
Pra contar uma historia de gloria, que um dia deixei de viver
O cupinzeiro velho amigo
Transformado em forno de lenha
Ensinou-me um triste caminho
Um destino jamais esquecido
Em meus sonhos meio acordado
Comeu toda mobília da casa
Só restando pra minha desgraça
Cartucheira de sal carregada
Começou pela minha gatinha
Influencia do mal infiltrada
Furtando seus sonhos tão lindos
Transformando sua vida em ladra
Ele sempre foi um ladrão
Assassino homicida e cão
Quando entra no coração
Causa grande destruição
Rouba tudo que vê no caminho,
Impondo sentimentos de desdém tão frios
Uma vida sem mais amores, só maldade e muitos rancores
Restando apenas fria prisão, de uma mente em escuridão
O inimigo sagaz e voraz
Não satisfeito com tal destruição
Cascavela por cima do salto
Na menina mudança de habito
Ela perde todo desejo
De boneca e também de brinquedo
Assediada por seu meio irmão
Cresce Lola de muitos desejos
Destruindo no seio familiar
Separações de muitos casais
Instrumento de grande promiscuidade
É inimiga de toda verdade
O menino é herdeiro de tudo
Salpicando o sertão de amarelo
Emplumado desfila de carro
Cafetão é um bofe engomado
As rameiras estão sempre com ele
Faz lembrar sua mãe tão guerreira
No inicio ganhando a vida
Explorando todas as raparigas
Essa parte é a mais dolorosa
Zé ruela era o filho da prosa
Ele era mesmo bastardo
Porem um filho muito amado
Sua mente sempre foi viciada
Na bebida e na Irmã desejada
Sempre abria a porteira dos segredos
Nos gargalos perdido em desejos
Ele disse um dia exaltado:
-Eu te vi de sorriso engraçado
-Com a tia Zezé do mercado
-Em caricias deixando-me hesitado
-Foi então que me apaixonei
-Pela minha irmã que amei
-Ao seguir teu exemplo maldoso
-Das cachaças do fundo do poço
Investigada foi minha vida
Em lençóis maculados de dor
Nesta nodoa perdi pro compadre
A Joana meu grande amor
Ela era meu caju do sertão
Sua pele macia e dourada
Aveludada igual rosa perfumada
Desmanchou-se em pétalas de solidão
Sobrancelhas curvadas ela tinha
Revelando sua linda expressão
Em alegres tons de aventura
Sintonia do amor e paixão
As maças do seu rosto diziam
Em contraste com seus lábios molhados
Quando vermelhos de vergonha ficavam
Desejando deveras ser beijados
Seus olhos de jabuticaba
Negros como as noites sem lua
Conjugava com seus sedosos cabelos
Pelas lágrimas perdidas entre os dedos
No seu sangue aflorado em vermelho
Tudo isso o inimigo roubou
Feito um cupinzeiro destruidor
Quando ele entra bem de mancinho
Dentro de casa tem sempre um ninho
Corrompendo a virtude e valores, feito traça e também roedores
Fermentando o veneno escorrido, nas raízes ao ramo perdido
Enroscando sua presa em necrose, de serpentes hipnose na mente
É preciso fechar essa porta e a tranca de toda entrada
Sempre atento as frestas abertas, para nunca deixar descoberta
A entrada do bicho danado, que enferruja a mente do desocupado
Da razão tira todo saber, transformando todo seu viver
Insensível traição é normal
Sem pudor tudo é tão casual
Permissivo e promiscuo é o sentir
Triste vida desse mundo aqui
Pelos crimes liberto estou
Pelos anos que já se passou
Minha mente presa está
Ao perdão sem poder conquistar
Despeço-me entre tão poucas linhas
E endereço a quem possa desejar
Sobre o som da sanfona do Zé
Companheiro que veio me buscar
O DESPERTAR
Mal o galo havia cantado, gritou sua irmã a Zezé;
-Joaninha acorda mulher... O Audencio está feito um leão
-destruindo o forno com o enxadão
Quando ela chegou de repente, o alambique de água ardente
Encontrava-se todo quebrado com o Audencio pegando o rato
Lambuzado amassando o barro
-Que é isso? Gritou a Joana
-Vou tampar toda fenda da casa
-Espingarda já está carregada
-Pra matar essa cobra danada
Duas bonecas feitas de palha
Alegravam Maria e Marta
Quando Audencio calafetava
As crianças de corda pulavam
Joaninha não mais agüentou
Assustada seu filho ganhou
Gestação era de grande risco
Prematuro Zé Dirceu chorou
A festança estava preparada
Com modinha de dança arrumada
A sanfona chorava afiada
E o labrador de nome; preto, uivava
Com um sorriso estampado no rosto
Despertado e muito aliviado
Audencio percebe que o sonho
Era mesmo sinal enviado
Ele nunca gostou de sermão
Oração coisa de desocupado
Criticava os fieis aos domingos
Que corriam do preto zangado
A Joana não acreditava
Vendo o homem em retórica elevada
Discursando a respeito da vida
E como da cachaça transformado fora em graça
Era sempre o primeiro a louvar
Melodia a Deus entoar
Da família cuidava com amor
Sendo sempre um pai exemplar
Nunca mais ele olhou pra Zezé
Sempre sóbrio estava de pé
A espingarda ele abandonou
Uma cruz de carvalho comprou
Quando a cobra vinha sorrateira
Com veneno de morte cruel
Ao senhor do carvalho clamava
Com o olhar sempre fito ao céu:
-Ó Senhor que habita nas alturas
-Que a serpente na cruz já venceu
-Proteja minha família amada
-Do veneno maldito e cruel
Assim a cobra fugia
Querendo um ninho sempre encontrar
Nas vergas em cima das portas
Nas frestas da casa entrar.
FIM