A Ópera tem como cenário inicial a calçada frontei-riça ao casarão de Dom Antonio de Mariz, onde ele reside com sua filha Cecília ou Cecy, como lhe chama Pery, o cacique da tribo dos Guaranis que é amigo leal da casa e apaixonado pela jovem.
Pela calçada passa um grupo de homens que re-gressam da caça entoando cantos em louvor as suas aventuras e ao prazer de caçar. Nas mãos, ostentam os animais abatidos como verdadeiros troféus.
Um pouco à frente, o aventureiro espanhol de nome Gonzáles debocha do afeto que outro aventureiro, o português Álvaro, demonstra sentir por Cecy, mas a pilheria não é bem aceita pelo segundo e um entrevero entre ambos só não acontece porque o fidalgo, pai da moça, chega com a noticia de que uma tragédia quase aconteceu há pouco, quando os índios Aimorés tentaram invadir a sua residência e sequestrar a filha, em vingança pela morte acidental de uma moça de sua tribo, por outro grupo de aven-tureiros. Também diz que o pior só não aconteceu graças ao corajoso Pery que teve êxito em ludibriar os inimigos e esconder a sua filha dos “outros sel-vagens”.
Após o relato, Dom Antonio apresenta a todos o herói Pery, que, então, reafirma a sua amizade e lealdade a Cecy e sua família.
Nesse momento adentra a cena a jovem e entoa uma ária repleta de gratidão ao indígena por ele ter-lhe salvo a vida. E a alegria que demonstra é tanta que Don Álvaro supõe pretensiosamente que a mesma tenha algo a ver com sua afeição por ela, mas logo Gonzáles desfaz a sua ingênua ilusão, ocasionando um novo mal-estar entre ambos.
Contudo, o entusiasmo de Álvaro logo é restaurado quando Dom Antonio o apresenta à filha como o noivo que ele lhe escolheu. Embora pasma com a noticia, ela não contradiz o pai e se limita a ficar em silêncio até que todos entoam a “Ave Maria”, pois a noite é chegada.
Momentos depois quase todos se retiram e ficam em cena apenas Cecy e Pery e ela lhe pergunta o motivo de ele evitar-lhe constantemente. Em res-posta, ele entoa a ária “Sento Uma Forza Indomita” com a qual revela o grande amor que lhe tem. Ra-diante de alegria, ela não esconde que lhe corres-ponde e quando ele deixa a cena ela se põe a diva-gar sobre a felicidade de amar e de ser amada, mas, também, sobre os enormes obstáculos que aquele amor haverá de enfrentar.
E assim se encerra o primeiro ato.
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O segundo ato tem início com Pery rastejando junto a uma caverna. É visível o seu contentamento por ter conseguido chegar ao local antes dos aventurei-ros que pretendem furtar os haveres do pai de Cecy, conforme uma conversa dos membros do bando, que ele ouviu dias atrás.
Embora esteja escuro ele consegue identificar Gon-záles, Rui e Alonso, que, em certo momento e ape-sar de sua cautela, conseguem aprisioná-lo. Sentin-do-se, então, já vitorioso, Gonzáles demonstra a sua liderança sobre os outros e zombeteiro entoa a “Canção do Aventureiro”, com a qual faz apologia da vida sem lei e sem ética.
Enquanto isso, a segundo cena desse ato dois, mos-tra a jovem Cecy recolhida em seu quarto pensando no amor de um “príncipe misterioso”, que, em ver-dade, é o mote de uma balada romântica.
Finda a música ele adormece suavemente, mas, então, o seu quarto é invadido sorrateiramente pelo maldoso Gonzáles que por instantes se põe a admi-rá-la adormecida. Porém, um ruído a desperta e a presença do aventureiro a congela de pavor.
Indiferente ao seu sofrimento, o espanhol ordena-lhe que o siga e ante a resistência dela, ele não hesi-ta em arrastá-la rudemente em direção à porta do quarto, só parando quando uma flecha atinge-lhe a mão.
Assustado e açulado pela dor ele se põe a disparar a sua arma para responder ao ataque inesperado, en-quanto berra por seus comparsas, os quais, já esta-vam a caminho após ouvirem o tiro, que era um sinal previamente combinado.
Nisso, um grande alvoroço instala-se no casarão, pois ao saberem do frustrado rapto de Cecy, os mo-radores acodem ao quarto e Dom Álvaro desafia o espanhol para um duelo mortal. Logo, ambos se engalfinham e a briga só é interrompida com a che-gada de Dom Antonio que ordena que todos depo-nham as armas e sosseguem os espíritos.
Nesse instante, Pery, que conseguira fugir de seu cativeiro, declara estar pronto para revelar a sórdida traição de Gonzáles e dos outros. O aventureiro, porém, nega todas as acusações e pensa em como se vingar do indígena. Novamente os ânimos se exaltam e só arrefecem quando ouvem o alarido resultante do ataque que os Aimorés fazem ao solar.
É o final do segundo ato.
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O terceiro ato é ambientado no acampamento dos Aimorés onde o grande número de baixas ocorridas no ataque é lamentado; enquanto, por outro lado, é celebrada a vitória de se ter conseguido raptar a filha de Dom Antonio e o “traidor” Pery.
Enquanto a tribo se prepara para um novo ataque, Cecy é amarrada a uma árvore e com a face coberta, prepara-se para o pior.
Nesse instante os indígenas entoam um canto vigo-roso no qual expressam seu ódio ao homem branco, mas as grandes explosões de canhões que se escuta ao fundo, apavoram os guerreiros que buscam no cacique as necessárias palavras de incentivo e de encorajamento. Este, após infundir-lhes coragem, manda que Cecy seja trazida à sua presença.
Num primeiro momento a beleza da moça o enter-nece, mas ele sabe que toda a tribo deseja a morte ou a escravidão da mesma. Assim, para contentar os seus, o morubixaba decide tornar-lhe “uma rainha” para que nesse posto ela presida o suplício de Pery. Será, imagina, uma forma de aumentar-lhe o sofrimento, pois ele sabe de seu amor pelo “trai-dor”.
Em seguida ele ordena que Pery seja trazido e ele não se mostra intimidado. Ao contrário, faz inúme-ras afirmativas sobre a covardia da tribo e demons-tra todo o seu desprezo pelos algozes.
Acontece, então, o célebre “Bailado dos Indíge-nas”, que para muitos críticos é o ápice da repre-sentação tal a sua força evocativa.
Terminada a dança, a cena se esvazia e nela ficam apenas Cecy e Pery. Ela indaga sobre o pai e suspira aliviada ao saber que ele salvou-se. Em seguida implora que o amado fuja, mas ele se recusa a a-bandoná-la e enquanto a ação se desenrola nesse clima trágico e romântico o cacique aimoré e sua tribo retornam e fazem o “Ritual da Invocação”, que acontece como um dos preparativos para a exe-cução de Pery.
Todavia, esses preparativos não são concluídos, pois a aldeia é assaltada por Dom Antonio Mariz e seus homens. O combate que se segue é violento e nele o cacique é ferido.
Assim, encerra-se o terceiro ato.
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O quarto ato é encenado inicialmente no subterrâ-neo do solar de Dom Antonio Mariz. Ali, Gonzáles e os outros malfeitores tramam raptar Cecy e assas-sinar Pery e o velho fidalgo.
Contudo, a reunião dos malvados não dura muito, pois logo adentra o pai da jovem, que diz já saber dos planos maquiavélicos que eles urdiam e os aler-ta para o grande castigo que preparou para eles. Diz-lhes que uma enorme explosão destruirá a to-dos, inclusive a ele próprio*. O terror se apodera dos bandidos de tal forma que eles nem percebem a chegada de Pery que diante da ameaça de Dom Antonio, roga-lhe para que poupe Cecy.
Cedendo ao amor paternal, o castelão concorda em poupá-la, mas com a condição de que o índio se converta ao Catolicismo e que na condição de cris-tão a leve dali. É um câmbio que o intrépido e a-paixonado Pery não hesita em fazer, partindo tão logo termina o rápido batismo que lhe é feito pelo ancião.
Ciente do ocorrido, a jovem Cecy reluta em aban-donar o pai, mas sabendo da firmeza de sua inten-ção deixa-se, por fim, levar-se por Pery que a car-rega no colo até um abrigo seguro em uma colina.
Dom Antonio, ao sabê-la abrigada e segura cumpre a sua vontade e ordena a explosão que ceifa a vida de todos. Em seu esconderijo, Cecy ajoelha-se e clama por piedade e pelo perdão de Deus para seu pai, sendo acompanhada no gesto e na fé por seu amado Pery.
É o fim da primeira Ópera brasileira a ser encenada com absoluto êxito em terras do Velho Continente.
Nota do Autor* - a decisão de se matar tomada pelo velho Dom Antonio causa alguma perplexidade nos espectadores já que o libreto é omisso quanto aos motivos do mesmo. Antes de tudo é importante ter em mente que todo libreto baseia-se em outra obra, mas não é, em absoluto, a sua transcrição literal e, por isso, é válido supor que a motiva-ção do fidalgo seja decorrência de seu desgosto com a traição sofrida e pelo esgotamento que as condições hostis de vida na nova colônia lhe causaram. Ademais, em termos teatrais, seria impossível reproduzir as partes finais do livro, como, por exemplo, o verdadeiro dilúvio que esconde os protagonistas na cena final. Pede-se a compreensão do leitor/espectador.
Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, Verão de 2015.