Murmuram, os ventos, conversa conhecida
Dos senhores das calçadas, risos de gengivas, aposentados
Nas arenas esportivas, os gritos são iguais
E o que se ouve nos rádios, os crimes da noite
As bem-aventuranças da manhã
Quase tão fatais quanto a morte
Faz música, quem observa as beiras das estradas
As pradarias dançando à canção regida pela brisa
Os rumores silenciosos dum mundo senil, analfabeto
No horizonte, haverá sempre mais múltiplos, mais variáveis
Por enquanto, o horizonte afasta-se, sem recurso
O que aprendemos na vida é que não se chega nunca
A lugar algum
Eterno movimento, este jogo de luzes confusas
Essa eterna sala de espelhos, distorcendo-nos
Almas dançando num lago de luz, perdidas
Encontradas diante da vastidão escura do espaço
O tempo devorando-nos e cuspindo novas vidas
No interior escuro do ventre duma indefesa mãe
Os jovens guiam charretes através do sol do fim da tarde
Os velhos suspiram pela derradeira vez sobre seus leitos
Música surge dos céus e pincela a vida, sutil, sutil
E a arma dispara – e as vidas se vão
Retornando, contorcendo-se através das vielas sombrias da morte
Que era a vida mesmo, afinal? Era tudo, e tanto mais...
E quase nada... Era nada.
Que é a vida diante dum dedo magoado na quina da porta?
Diante dum acorde mal colocado, os dedos a tremer...
Que é essa correria contorcida, luzes de postes queimadas
Sambas herméticos e olhares mal encarados
Tudo que quero da chuva é o tamborilar,
Haverei eu de chover também?
Participo e brinco, e observo, amando
E amo a vida como o coveiro ama sua pá
E repugno a própria ideia da existência
Como um câncer espalhando-se através dum mar indefinível
Anos-luz de anos-luz de anos-luz de infinidade
E amo este câncer mais todos os dias
Chicoteia-me, o amor, rasgando-me as costas
Com duros pregos de ferro
Delicia-me, o cheiro dos funchos
Repugna-me, o cheiro dos cadáveres animalescos
E são ambos o mesmo cheiro!
Amo-os, e são a própria morte
O amor está no morrer dolorido, mas amando
Virem-me os olhos, que me perscrutam
Cabeleiras esvoaçando-se frente ao vento febril dos ventiladores
Conversas tolas, quase dogmáticas verdades divinas
Pedaços de chão fantasiando-se com decência
Areia quente, que suga o sangue dos inocentes
Um medo indizível da eternidade, um medo indizível do fim
Um medo quase catastrófico do amor
Ah, que é este veneno que me toma o corpo?!
Ameaça-me com mãos macias como seda
Promete-me tudo, num sussurro indolor
Hálito de grama recém-cortada, dedos da aurora
Santos e demônios jamais ouviram falar...
Observo, noto o amor e me escondo
Enquanto derreto, como um cubo de gelo sob o sol
Entrego as mãos de olhos fechados, e que me conduza
Através da estranheza áspera dos becos escuros
Das vielas arborizadas e das periferias macabras
Me toma o coração como a lua cheia toma o mar
Quando crescer, quero ser poeta,
Quem sabe assim não consigo descrever tudo isso...