A guerra devastara tudo, não sobrara nada que valesse a pena. Era o condado de Cottingley, Irlanda, logo após a 1ª guerra mundial. Estávamos todos atônitos com o que descobrimos que os humanos eram capazes de fazer. Mas também estávamos de certa forma, felizes, porque depois de um conflito como aquele, certamente não iríamos querer outro. O retorno para casa houvera sido triste. Não caíram bombas lá, mas a maioria dos jovens foram levados pela guerra. Não se via mais crianças trepadas nas árvores, nem jovens correndo pelas ruas ou namorando nas praças. A inocência havia acabado, ficara lá, nos campos e nas fábricas. As jovens foram forçadas a deixarem a cidade para irem trabalhar nas fábricas de bombas ou de tanques, e por lá morrido de tuberculose, estupradas, ou casadas com homens bem mais velhos, para terem a esperança de saírem da penúria em que se encontravam.
Josh fora um dos poucos rapazes que retornaram inteiros. Pelo menos, por fora. Depois de enterrar pessoalmente dezenas de amigos na guerra, descobrira que sua noiva havia morrido num acidente com uma ogiva, numa das fábricas. Os dias em Cottingley se tornaram como eternos domingos à tarde, quando se senta num banco perto de um bosque, e fica olhando o sol se pôr, esperando a eterna segunda, que nunca vem.
O bosque de musgo era infame em toda a cidade. Lugar a ser evitado. Ainda podiam ser encontradas cordas e esqueletos dos que se enforcavam por lá. Histórias sobre fantasmas, homens estranhos e luzes andantes que arrepiavam até os ossos homens experientes, e os mantinham a uma distância segura de lá...
Mas, Josh se sentiu atraído por seu magnetismo. Era um lugar abandonado pelos homens, mas mesmo assim, lindo. A luz feérica que entrava, dobradas entre as folhas das árvores, espalhava um tom verde-claro sobrenatural, como uma chuva de luz que desce sem pressa e se fixa nas coisas, como gotas de orvalho cintilantes. As aves e os insetos sussurravam uns com os outros, sempre escondidos dos olhos dos homens, como se zombassem deles. Era um ambiente que te abraçava e te sufocava, te convidado à tristeza e à reflexão, e se você não estivesse suficientemente satisfeito consigo mesmo, acabaria pendurado por uma corda, ou pulando no precipício que dava fim ao bosque.
Talvez, Josh quisesse mesmo esse destino... eu não sei. Só sei que ele caminhou por um bom tempo, embrenhando-se na vegetação, respirando aquele ar frio que te refresca por dentro e te esquenta a superfície dos olhos... Até que ele se deparou com uma clareira, onde uma única rosa reinava esplendidamente. Eu poderia dizer que ela era a rainha de todo o bosque! Todo o verde fugidio ao seu lado, contrastava com o vermelho sanguíneo de suas pétalas, magnificamente abertas e frondosas. E a luz que descia das copas das árvores, a iluminavam feito holofotes naturais. Era a coisa mais linda que ele já tinha visto.
Primeiramente, ele sentiu a inclinação de deixá-la ali. Não poderia colher tão bela flor, arrancar de seus ramos uma obra tão sublime da natureza. Mas ela era tão linda que não poderia sair dali sem levá-la consigo, ainda que soubesse que ela não duraria um dia dentro de um jarro d'água. Mas ele quase não teve escolhas.
Procurou com todo o cuidado decepar a rosa sem danificá-la, mas o cuidado que teve para com a flor, não o teve para consigo mesmo... e feriu-se em um dos seus espinhos...
E enquanto uma fina gota de sangue surgiu em seu dedo, sentiu-se tonto, caindo em vertigens, ajoelhando-se em frente à flor.
Num primeiro momento faltou-lhe ar, pensou-se envenenado. Sua pele fria tremia, a sua boca secava. E então, as suas pernas trincaram, num som de madeira seca. Os seus braços enterraram-se no chão, como cipós, e os seus cabelos pendiam para a terra como ramos de uma oliveira. Gradualmente, foi tornando-se branco como um fantasma... e a sua pele e carne tornaram-se finas como um papel... Até tomar a forma de uma flor, para sempre encravada no chão.
A sua consciência era a mesma. Sabia do ocorrido... Sentia tudo... Mas não podia gritar e nem avisar ninguém. Ele não saberia dizer se estaria para sempre naquela situação, ou se o próximo e severo inverno, seria definitivamente o seu algoz.
Ele torcia para que fosse...
Um dia encontrei escrito num templo dentro de um bosque, a seguinte inscrição:
Fina flor que os espinhos guarda
Solitária... frágil, sempre isolada
Que a chuva destrói... o vento, a geada
Serás de finas e doces pétalas a sua mortalha.
Mas antes de partir, tem dentro do peito,
Do mais nobre e justo direito,
O sonho de viver um grande amor,
Pois nem uma flor, quer um mundo de solidão, e dor...
Então uma fada enfeitiçou-lhe as cerdas com um pó
Para que assim não mais vivesse a rosa só
Pois um dia alguém se encantará incrivelmente
Quando em seu espinho ferir-se, irremediavelmente
E assim, aquele que tiver o seu dedo a sangrar
Sabe como o futuro para ele virá.
Entende que o desespero e a tentativa serão em vão
Pois em breve, como raiz, terá os seus pés cravados no chão.
E assim, sempre ao lado de tão encantadora rosa
Por quem tão e devastadoramente se apaixonara,
Que ao vê-la colhida numa tola poda.
Como um simples e solitário cravo, agora chora.
O seu destino agora é esperar
Por que um cravo não tem espinhos...
Logo ficará sempre sozinho,
Até que o vento frio e daninho, para sempre venha lhe decepar...
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