E, sentada sobre o chão,
As pernas cruzadas e as indeléveis marcas de beleza
A moça disse com todas as palavras que não havia amor
[O calor das eras fazendo escorrer suor]
Enquanto raios de confusão lhe saltavam dos olhos
[Pequenas dores que hão de doer]
Vinte, ou trinta, ou quarenta anos
Milhares de anos e resposta alguma
Mas viu ela qualquer dia que no úmido ar do calor
Paira um distinto fantasma que com ardor nos cumprimenta?
Ela sentira saudades do irmãozinho, quando fora aos ares o avião
Nas suas próprias palavras, e ações, e lágrimas,
a mentira não se sustenta
E palavras descuidadas servem só para nos trair
No mais das vezes pouca coisa têm que significar
Eu cumprimento o fantasma em retorno e às vezes chego a me afogar
Eu sinto com todas as letras e vejo em todas as formas
A beleza que se contempla, o inevitável sal das lágrimas a rolar
[A mão pequena dum bebê; o fim de tarde em Santa Catarina]
A pequenez e vastidão concomitante dum mundo verde e plural
[Enquanto ameaçado e aprisionado pela tecnologia]
Uma road trip pelas estradas desgastadas e o beijo de uma mulher
O abraço de um homem e o som distante de risadas infantis
[Praias noturnas perdidas pelas mãos misteriosas da vida]
Viajo com as mãos e com os olhos, no sono e na vigília
Se o mundo é mesmo um campo de batalha, gotas de poesia vinga
Gotas de cerveja e pingos de sangue, que escorre das carnes mal passadas
Vislumbres de arco-íris que nos protegem como escudos do desconhecido
[O Desconhecido é só mais uma molécula no Eterno corpo da Noite]
Perfumes das ruas e das épocas - canções doces como a primeira palavra
[O extenso verão que não mais ousa ir embora - preâmbulos dum inverno pueril]
Ruas maltratadas, paraísos perdidos, proibidos - às vezes, esquecidos
Uma estória mágica e singular por esquina
O inevitável retorno à inocência no fim dum ciclo natural
As ondas estão se contorcendo todas na direção do oceano
[Talvez consiga dormir se simplesmente a mente desligar]
Talvez consiga, em meio de tanto sal e tanta água, presenciar
O alto mar, marinheiros perdidos que jamais chegaram a aportar
Afogar-se é mera consequência do imprevisível deslumbre
[Se não há amor em tudo isso, talvez tenha mesmo, afinal, enlouquecido]
E não é esse o fim de todas as coias?! Desejo, desejo, desejo
Desejo, os pés descalços sobre a terra
Desejo, [porque o vento é alto, acaba por me excitar]
Se o amor não é simplesmente desejar dissolver-se,
Talvez o possamos comprá-lo num plástico e redundante comercial
[Mas não seja surpreendido, se custar alto demais]
Eu conheço só o amor do qual escrevo
Eu conheço nada que não o desejo
Que mora em mim e faz com que eu seja quem sou
Que me atrai, me trai, me dá olhos com que ver
Se eu sobreviver, enfim, ao meu colapso,
minha catástrofe natural
A plenos pulmões e com todas as palavras cantarei
Rirei e chamarei definitivamente tolos àqueles
Que vivem vidas inteiras na companhia do Belo Fantasma
E nada dele percebem
Por ignorância, prepotência ou estupidez.