Se pensar em um bem-amado deste mundo traz tanta força e benefícios, o que há de surpreendente no fato de o Amigo Divino dar força a Seu amigo tanto na presença quanto na ausência?
Isso não é imaginação; é a alma de todas as verdades e não se pode dizer que é imaginação.
O mundo está fundado na imaginação. Tu pensas que este mundo é real porque o vês e o tocas, chamas todas as realidades profundas (mani), às quais este mundo está subordinado, de imaginação. É o contrário (que é correto).
A imaginação é este mundo e a realidade pode criar cem mundos parecidos, que apodrecem, deterioram-se e se destroem; ela podem ainda criar um mundo melhor que não envelhece, que está longe de ser novo ou velho; tem a qualidade de ser velho ou novo o que decorre disso.
Aquele que criou essas duas coisas está distante e acima delas. [O Rei do Amor oferece dois mil raios de luz a cada momento. D'Ele não desejo ver outra coisa senão Sua Beleza.]
Um arquiteto projeta em seu pensamento uma casa e cria imagens: ele imagina seu comprimento, sua largura, o piso, o pátio. Essas imagens não são a imaginação: a realidade sai dessa imaginação e depende dela.
O homem que não é arquiteto e que elabora formas e imagens em pensamento, usa a imaginação; normalmente, as pessoas dizem a esse homem que não é arquiteto e não conhece esta arte: "Estás imaginando coisas".
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Se esse conhecimento pudesse ser obtido simplesmente pelo que dizem outros homens, não seria necessário entregar-se a tanto trabalho e esforço, e ninguém se sacrificaria tanto nessa busca.
Alguém vai à beira do mar e só vê água salgada, tubarões e peixes. Ele diz: "onde está essa pérola de que falam? Talvez não haja pérola alguma". Como seria possível obter a pérola simplesmente olhando o mar?
Mesmo que tivesse de esvaziar o mar cem mil vezes com uma taça, a pérola jamais seria encontrada. É preciso um mergulhador para encontrá-la.
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Procurai não dizer que entendestes...
A compreensão reside em não compreender... Para ti, essa compreensão é um obstáculo.
É preciso escapar dela. Para alcançar o sentido profundo (mani) dissimulado "sob o véu das palavras", somente disponibilidade, ou receptividade não bastam: é necessário um esforço, uma atitude, primeiro passo que faz daquele que questiona - ou se questiona - um peregrino, no Caminho.
A utilidade da palavra será portanto a de fazer-te procurar e a de iniciar-te; o que não quer dizer que a coisa que se busca seja obtida pela palavra: se fosse assim, não terias que fazer tanto esforço...
A palavra é como algo que vês mover-se de longe: vais à sua procura para vê-la, mas não é por causa de seu movimento que a vês. A palavra do homem, sob seu aspecto oculto, é algo como: ela te faz buscar o sentido, embora na realidade não o vejas.
Rumi, Jalaluddin. Século XIII. Fihi Ma Fihi. Tradução do original persa por Eva de Vtray-Meyerovich. Rio de Janeiro, Edições Dervish, 1993.320 p. p.9, p.165, p.capa.