Autoria – Verdi (Giuseppe Fortunino Francesco – 1813-1901 – Itália)
Libreto – Antonio Gislanzoni
Personagens
Aída – princesa etíope, feita escrava pelos egípcios. Interpretada por uma Soprano
Amnéris – filha do rei egípcio. Interpretada por uma Mezzo Soprano.
Radamés – comandantes das forças egípcias. Interpretado por um Tenor.
Amonasro – rei da Etiópia e pai de Aída. Interpretado por um Barítono.
Ramphis – Grão Sacerdote egípcio da deusa Isis. Interpretado por um Baixo Barítono.
Faraó – interpretado por um Baixo Barítono.
Mensageiro – interpretado por um Tenor.
Época e Local
Egito à época dos faraós.
Enredo
Ao se abrirem as cortinas para o primeiro ato, o espectador sente o primeiro deslumbramento com a grandiosidade do cenário que retrata o palácio imperial, na cidade de Mênfis, no Egito.
Em seguida percebe a enorme tensão existente, devida ao conflito entre o Egito e a Etiópia, que faz o fundo para a conversa entre duas personagens principais, o general Radamés e o grão sacerdote Ramphais, que, a certa altura, diz ter tido uma revelação da deusa Isis indicativa de que ele, Radamés, deveria ser o comandante das forças egípcias na guerra; e que, por isso, o recomendaria ao Faraó.
Embora procure manter a fria postura marcial, o experiente militar sente-se invadido por ondas de orgulho e pela expectativa de que o seu eventual triunfo seja recompensado com a mão de sua amada, a escrava etíope Aída, que serve como dama de companhia da princesa Amnéris.
E os seus sentimentos e as suas projeções esperançosas avolumam-se a tal ponto que ele não consegue retê-los e os libera entoando emocionado a belíssima ária, “Celeste Aída”, na qual expõe o seu amor pela bela e desejada mulher.
Enlevado, canta a sua felicidade e não nota que é observado pela princesa Amnéris que percebe, então, que o amor que lhe dedica não é correspondido.
Enciumada, triste e furiosa ela compreende que ele ama a sua escrava, sendo por ela é correspondido. Melancólica, deixa-se amofinar enquanto Aída passa a temer o agravamento da guerra contra o seu país.
Nesse ponto, a cena é tomada por novas personagens. Entram o Faraó e o seu séquito e a nomeação de Radamés, como comandante chefe, é proclamada oficialmente. Belicosos sentimentos ufanistas explodem e se vive o paroxismo da tendência guerreira do homem.
Até Aída, que num primeiro momento sentira-se horrorizada ante a perspectiva de que o conflito poderia ocasionar a morte de seu pai e de seus irmãos – o rei e os príncipes etíopes– logo compreende ser impossível deixar de amar o “seu” general e, apesar de sentir-se confusamente arrependida, entoa a vibrante ária “Ritorna Vincitor (Volte vitorioso)”, expressando o desejo de que o amado Radamés subjugue a sua pátria e o seu próprio sangue.
Contudo, passada a euforia inicial, a sua alma volta a oscilar entre essa vontade e o remorso por trair aos seus, condenando-os à escravidão e até à morte. Um tenebroso conflito se instala em seu coração e ela busca o perdão dos deuses ao entoar a melancólica “Numi Pietá (Piedade deuses, aproximadamente)”.
Na sequência, tem início a segunda parte desse primeiro ato.
Agora, o magnífico cenário reproduz o “Templo do Vulcão”, também em Mênfis, onde acontece a preparação espiritual de Radamés através dos cânticos das sacerdotisas em louvor ao grande guerreiro e das súplicas para que os deuses o protejam dos perigos do combate. Pouco depois, o grão sacerdote Ramphis e os sacerdotes menores se juntam aos louvores e aos pedidos e todos entoam solenemente um Coro repleto de devoção.
Entrementes, danças rituais são executadas ao pé do altar e Ramphis entrega ao general a espada consagrada que haverá de lhe assegurar o triunfo final. Radamés repete a oração e renova a sua promessa de só retornar com a vitória assegurada.
E nesse ambiente solene, triunfal e guerreiro, termina o primeiro ato.
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O segundo ato inicia-se no cenário que representa os aposentos da princesa Amnéris, onde algumas escravas a consolam entoando cantigas românticas.
Após poucos minutos, ela as dispensa e ordena que apenas Aída permaneça em sua companhia, pois ela pretende confirmar se a etíope ama Radamés efetivamente. Usando de falsidade, diz à escrava que o Egito venceu a luta, mas que o Comandante Chefe tombou em combate.
Aída não consegue esconder a sua comoção e o seu desespero e chora convulsivamente, provocando o ódio da filha do Faraó que, então, já não tem dúvidas de que ela seja uma inimiga a ser humilhada e vencida. Passa, então, a agredir e a humilhar Aída dizendo, entre muitas maldições e ofensas, ser uma insolência a sua pretensão de disputar o amor de um homem com uma princesa como ela, já que ela não passa de uma reles escrava.
Aída sente-se sufocar e num primeiro momento cogita revidar dizendo que também é uma princesa, haja vista ser filha do rei etíope; porém, com muito esforço, controla-se e pede apenas que Amnéris tenha compaixão por sua desdita. Mas a egípcia deixa claro que lhe tem apenas desprezo e ódio.
Um dueto dramático sonoriza a tensa situação até que se escutam os acordes de um hino triunfal anunciando o regresso vitorioso das forças do Egito.
O palco se esvazia, permanecendo apenas Aída que entoa uma triste oração na qual roga que os deuses tenham-lhe piedade.
A segunda cena do ato dois é ambientada na cidade de Tebas e para muitos críticos e apreciadores é a mais espetacular da história da Ópera. Trata-se, nela, da entrada triunfal das forças vitoriosas, numa encenação repleta de suntuosidade, com inúmeros figurantes, engenharias teatrais magníficas, além de vários outros artifícios* que, ao cabo, criam um momento inesquecível para todos que o assistem.
Representa-se o júbilo da grande multidão egípcia, reunida na praça à espera do desfile triunfal de Radamés diante do palanque real. À mis en scéne é acrescida a vigorosa execução de um hino em louvor a deusa Isis e um frenesi contagia inclusive aos espectadores.
Após alguns instantes, soam os clarins e entre flâmulas e bandeiras coloridas, tem início o grande desfile ao som da empolgante “A Grande Marcha”. Sucedem-se os batalhões e as máquinas guerreiras e, depois, as tristes hordas dos etíopes derrotados.
Andrajosos e mutilados carregam o peso de sua derrota e de seu infortúnio, tendo à frente o velho rei Amonasro a quem, com dificuldade, Aída reconhece. Penalizada, ela tenta socorrer-lhe, mas ele pede que ela não revele a sua identidade, pois seria melhor ser considerado apenas como um oficial idoso e não como um símbolo da derrota de sua pátria.
Enquanto isso, Radamés fecha o cortejo ostentando toda a glória dos vencedores. Do Faraó recebe provas de reconhecimento, estima e gratidão, sendo saudado como um verdadeiro herói nacional.
Como recompensa o Imperador lhe concede o direito de pedir qualquer coisa e ele, magnânimo (ou talvez para agradar a amada Aída), pede a alforria dos prisioneiros que fez. O Faraó cumpre o prometido e promove a libertação dos cativos, exceto do velho Amonasro, conforme lhe solicita o Grão Sacerdote que pretende, com isso, guardar um símbolo da grande vitória.
Concomitantemente prosseguem os bailados e as canções. Contagiado pelo clima vitorioso, o Faraó anuncia que concede a mão de sua filha, a Princesa Amnéris, ao General Radamés para que eles se casem e reinem no Egito após a sua morte. O casal troca afetuosos olhares e gestos e por fim se recolhe.
Então, o desespero assalta completamente a alma de Aída e de seu pai. Ela, por perder o grande amor e, ele, por temer o fim de seu reinado. É o final do segundo ato.
Nota do Autor – em algumas apresentações, por exemplo, chega-se ao requinte de se colocar almofadas nas patas dos cavalos para evitar que as suas pisaduras interfiram na melodia.
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O terceiro ato tem como cenário as margens do rio Nilo, alguns dias após a festa pela vitória.
Inicialmente a suavidade toma conta da cena. Ao longe, por entre as sombras da noite, avista-se um barco que segue em direção ao “Templo de Isis”, situado em uma das margens do grande rio. Ocupam-no, Ramphis e Amnéris que irão fazer as preces rituais que antecedem aos casamentos. Além deles, segue um numeroso séquito de donzelas.
Acobertada pela escuridão noturna, Aída também está no local atendendo a um pedido de Radamés. Enquanto o aguarda, entoa a ária “Ó Pátria Mia”, num doloroso lamento pela perda de sua pátria.
De repente a suavidade inicial é quebrada com a chegada afoita de seu pai que, entusiasmadíssimo, conta-lhe que as forças etíopes remanescentes conseguiram se reorganizar e se preparam para um breve e fulminante contra-ataque ao Egito. Em seguida ele lhe pede que consiga obter de seu amado general alguns segredos militares que serão fundamentais para o sucesso daquela empreitada.
A princípio ela se recusar a trair o homem que ama, mas Amonasro argumenta apaixonadamente que o seu primeiro dever é com a sua pátria, com a sua família; e que dela depende a oportunidade de vingar todos os sofrimentos que os egípcios causaram a eles.
Contudo, ela resiste com firmeza e essa persistência provoca a ira do pai que, então, não hesita em amaldiçoá-la em seu próprio nome e em nome de sua mãe.
Aturdida diante de tamanha pressão, ela acaba sucumbindo e cede à chantagem paterna. Assim, quando Radamés chega, ela lhe fala de sua dor ao ver os preparativos do casamento dele e através do magnífico dueto “Fuggiam Gli Ardori” procura convencê-lo a partirem juntos, em busca de uma nova terra onde possam se esquecer de tantos sofrimentos.
Num primeiro momento ele hesita, mas quando ela diz que tal hesitação é uma prova de que o seu amor não é verdadeiro, ele se rende à proposta e se diz pronto a segui-la.
Então, ardilosa e dissimuladamente, ela pergunta-lhe sobre a posição das tropas egípcias alegando necessitar dessa informação para que ambos possam evitá-las durante a fuga. Ingenuamente ele responde com detalhes e, de um salto, Amonasro sai do esconderijo em que estava e proclama em tom provocativo e vingativo que graças àquelas informações, em breve os etíopes devolverão a derrota que sofreram.
Perplexo, Radamés demora alguns segundo para reagir e para compreender a extensão de seu erro e da traição que sofreu. Simultaneamente, ele percebe a magnitude da desonra que terá que suportar em meios aos cruéis castigos que lhes serão aplicados.
Aída e o pai tentam convencê-lo a seguir-lhes na fuga, garantindo que ele estará a salvo na Etiópia, mas o seu senso de honra e de dignidade não lhe permitem essa saída infame.
Nesse ínterim, terminaram os rituais promovidos por Amnéris e por Ramphis e o séquito se depara com o trio ao deixar o Templo. De chofre e com muita sagacidade, o Grão Sacerdote compreende o que se passou e não tarda em acusar o general de alta traição. Na confusão que se segue, Aída e o pai fogem, enquanto Radamés entrega sua espada ao Sacerdote, que lhe dá voz de prisão. É o fim do terceiro ato.
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O quarto ato é representado no subterrâneo do Palácio Imperial, na sala de julgamentos.
Abatida e desolada, Amnéris se posta à porta do recinto e quando Radamés chega ela implora-lhe que se defenda, mas ele sabe que se assim fizer a culpa recairá sobre a sua amada Aída que certamente será condenada à morte e prefere arcar com as consequências. E a sua negativa em se defender continua quando os sacerdotes voltam a lhe pedir que o faça. Novamente ele prefere assumir a culpa para que Aída viva e seja livre.
Entregue, então, à ferocíssima sanha de Ramphis, ele acaba condenado à morte por emparedamento, para profundo sofrimento de Amnéris, que escuta em cada lance do julgamento as vozes dos acusadores como se viessem do mais profundo inferno. Por fim, terminado o inquérito, os sacerdotes se retiram ouvindo as pesadas maldições que Amnéris lhes roga.
Nesse trecho, o espetáculo atinge um de seus ápices em termos de comoção e não é raro que o público chegue ás lágrimas.
A segunda cena tem como cenário o “Templo de Ftá (ou Ftás, deus do Egito Antigo, associado a Osíris e cultuado, sobretudo, em Mênfis)”, cuja montagem é dividida em dois pisos, sendo o superior paramentado com a riqueza típica daquele local; enquanto que no piso inferior, está sendo emparedado o valoroso Radamés.
Os rituais são executados e os sacerdotes assestam as últimas pedras, enquanto o condenado canta a dolorosa “La Fatal Pietra”.
Envolvido em um terrível cadinho de emoções, em certo momento ele julga estar tendo uma visão de sua amada Aída, mas, logo em seguida, percebe angustiado que não se trata de uma miragem, pois ela burlou o esquema de segurança e se colocou na mesma sepultura que ele, para que na morte, possam viver o amor que lhes foi proibido em vida.
Intensamente comovido, Radamés entoa “Morir Si Pura e Bella” enquanto deixa transparecer toda a dor que sente por ver morrer a doce e gentil Aída, feita para o amor e para a luz e, agora, condenada a perecer em fria sombra.
Nesse ponto é feito um minuto de silêncio e se ouve na parte superior do cenário o Coro das sacerdotisas entoando o “Cântico do Destino”.
Aída recomeça, então, o seu canto e extasiada de amor profere ternas palavras ao “Anjo da Morte” que já se deixa avistar. A ela se junta Radamés e ambos entoam o dueto “Ó Terra Adios” até que, abraçados, expiram o último suspiro.
No Templo, os Sacerdotes invocam solenemente os deuses que os conduzirão, enquanto Amnéris se prosta sobre o túmulo e reza pedindo-lhes perdão.
É o fim da encenação.
Histórico
Aída tem uma singularidade que pode desagradar alguns puristas, já que nasceu por encomenda e não como fruto de uma “inspiração superior”.
Contudo, esse fato em nada depõe contra a sua grandiosidade, como bem atesta a popularidade de que sempre gozou e que ainda hoje ostenta, mesmo entre o público não especializado.
Sua estreia aconteceu na véspera do natal de 1871, na cidade do Cairo, no Egito. E essa data e esse local não foram obras do acaso, haja vista que a obra foi composta para inaugurar o “Teatro de Ópera Italiana” na capital egípcia, como parte dos festejos pela conclusão do famoso Canal de Suez.
Essa conjugação de fatores, aliás, é que determinou o tema, baseado na história e na mitologia do Egito. O Khediva (vice-rei egípcio), Ismail Pachá, ao encomendar a Ópera a Verdi, deixou clara a sua preferência por assuntos relacionados à cultura milenar de seu país.
Para dar conta dessa exigência, Verdi recorreu ao célebre egiptólogo Auguste Édouard Mariette (Diretor do Museu Egípcio de Boulak e, depois, da Seção Egípcia do Museu do Louvre, em Paris) que lhe deu o argumento central, descoberto por ele mesmo durante as escavações* que havia realizado em Mênfis.
Com o argumento em mãos, Verdi pediu ajuda ao poeta Camille Du Locle (França, 1832-1903) e juntos criaram o esboço da obra, fato que ocasionou a particularidade da ópera ter sido encenada pela primeira vez no idioma francês.
O esboço foi levado para Antonio Ghislanzoni (Itália, 1824-1893) que o transformou em Libreto, dando a Verdi a oportunidade de finalizar o trabalho com as características que predominavam na época; ou seja, os cenários suntuosos, os figurinos luxuosos, os melhores intérpretes e, sobretudo, um drama denso e intenso.
O resultado final foi a obra-prima que ainda hoje é considerada por muitos como a que melhor reflete essa fabulosa manifestação cultural.
Nota do Autor* - além dessa linda Ópera, essas escavações também renderam a descoberta do magnífico Tempo de Serápis, pelo que recebeu o honorifico título de “Bey”.
São Paulo, 11 de fevereiro de 2015.
Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, Verão de 2015.