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DESCASARIO

 
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DESCASARIO

Lá n’aquele lugarejo
-- Que só na memória eu tinha! --
Todas as casas que vejo
Têm telhado e varandinha.

Umas sem eira nem beira,
Outras, bem perto da linha,
Onde a máquina ligeira
De muito longe lhes vinha.

Seguindo cidade adentro
Logo se chega à pracinha,
Que lá chamam de Centro:
Capela, venda e biquinha.

Mas, se fores pela estrada
Por onde o povo caminha,
Mal se começa a jornada
E finda a cidadezinha.

Na última casa da rua,
Retirada já, sozinha,
Boa p’ra seresta e lua,
Eu chego logo à tardinha.

Bato à porta. Saúdo até…
Se é noite que se avizinha,
Chamam p’ra tomar café
N’um bom papo de cozinha.

E me contam da obra ao lado
-- Coisa d’arrepiar a espinha... --
Contestam todo o lajeado:
Pois concreto contravinha!



E que em muito poucos anos,
Copiando a da vizinha,
Veriam senão enganos
Nos recordos que eu retinha.

Mas me ouvem dizer em brasa:
--”Se essa rua fosse minha,
Não deixava fazer casa
Sem telhado e varandinha.”

“Romance de capa e espada,
História da carochinha,
Despacho de encruzilhada,
Crônicas d’El Rey e Rainha..."

“De tudo eu já escrevi,
Mais sonetos e modinha
Apenas p’ra deixar aqui
Sobre aquela escrivaninha.”

“Se a cidade ao casario
Ter que já não lhe convinha
Perco eu, pois, meu lavradio
Que por escrever obtinha.”

“Cultivava as boas letras
Que ora perdem por picuinha
Ao apagar-me as linhas mestras
Com que tanto eu me entretinha”.

“Que dar a posteridade
D’essa gente tão mesquinha,
Senão a triste verdade:
Meu pirão! Pouca a farinha...”

Parto para nunca mais,
Guardando da vilazinha
Suas casas quase iguais
De telhado e varandinha.

Betim - 19 05 2014


Ubi caritas est vera
Deus ibi est.


 
Autor
RicardoC
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