nada mais havia,
só o antigo pote
de terracota
era o único dote
já não mais chovia,
o dia quase morria
as portas do barraco
rangiam ao vento
no outro lado da rua
um senhor me espiava
acho que me conhecia
acenou com a bengala
quanto tempo fazia
nem bem eu sabia
afastado da vila
há longa data
a porta não tinha
tranca ou fechadura
o ferrolho colado
de tão enferrujado
tomei enfim coragem
após respirar fundo
a gostosa aragem
que vinha do prado
ao entrar, surpresa
estava tudo tão limpo
o fogão, achas de lenha
e uma caixa de fósforos
bela e intrincada teia,
tomava a janela de madeira
onde tomava sol a aranha,
a rainha da casa abandonada
olhei tudo em volta
era tão organizado
que pensando ser fantasia
apliquei um forte beliscão
fui assim me dando conta
que algum anônimo cuidara
daquele espaço precioso
em um lugar tão remoto
jamais imaginei este cenário
tampouco que um dia retornaria
após a partida do último irmão
que se tornara um ermitão
de repente, aquele senhor
que a tudo em silêncio observava
me aborda na porta de entrada,
"posso ter a honra de lhe ajudar?"
parecia um velho guardião
daquele estranho rincão
onde passei a infância,
na divertida estância.
mas onde estavam todos?
não via qualquer movimento
lá estavam os casebres vazios
calmaria, paz era o sentimento
deixei as malas na banqueta
e resolvi caminhar pela pradaria
o senhor cofiava a longa barba
e amavelmente me sorria
após longa caminhada, exausto
sentei-me no antigo banco,
o anoitecer tingia o céu
tons alaranjados, como um véu
sem perceber ali mesmo adormeci
após gostoso cochilo, senti
o forte aroma de chá de marcela,
que o bondoso senhor me oferecia
depois de sorver o delicioso chá
eis que o senhor que pouco falava
disse-me que fosse agora descansar
para na manhã seguinte cavalgar
ao levantar-me e mirar excitado
o belo sol nascente emergindo
da pequena colina verdejante
preparei um café bem quente
logo em seguida, um suave toque
de flauta, velho senhor já de pé
acena-me, é hora da partida
então preparei a mochila,
olhou-me com carinho e atenção,
recomenda que leve só o cantil d´água,
estranhei, mas atendi sem discussão
ele se apoiava em tosca bengala
andávamos há algumas horas,
em silêncio contemplativo,
ao longo do vale e córregos
quando ele parou, de súbito:
- aqui eu retorno, caro amigo
recoste-se nesta figueira,
observe o canto do pintassilgo,
ouça o murmúrio da cascata,
que nada lhe atormente,
como uma folha sinta-se leve,
em breve chegará o sinal
seguirá viagem a estação final...
ah, você jamais estará só,
agora relaxe, não se preocupe,
então desapeque-se de tudo
apenas e tão somente sintonize
voltarei a velha cabana
chegarão novos hóspedes,
há pequenos rituais
que consagram a vida...
ah, pode me explicar, como assim?
indaguei de forma curiosa,
ele sorriu, fez curta pausa,
- evolução, meu filho, é isso enfim!
AjAraujo, o poeta humanista, escrito em 7-Fev-15.