Numa tarde chuvosa de janeiro, apanhei um autocarro apinhado de malta idosa. Sentado a um canto da velha camioneta, estava eu a magicar na existência da vida após a morte, pois o peso da idade que levo no meu encurvado corpo me convidava a enredar por esses caminhos de tempos idos.
Algumas paragens depois de percorrermos a grande baixa de Lisboa, o chiar de beijos de um jovem casal, que acabara de entrar, interrompeu meus sonhos, pus-me a ver e à ouvir aquelas lambuçadas húmidas e ruidosas que vinham de corpos fundidos num só. Ao meu lado ia uma senhora de 95 anos de idade, enjoada com espetáculo romântico a que fomos obrigados a assistir, fitou-me com olhos embaciados de desgosto, e disse:
-se o tempo para trás pudesse voltar…
Não pude responder-lhe porque mal acabara de parar a camioneta, ela pulou-se para fora como se fugisse de peste.
Continuei minha viagem, assistindo ao vivo as novelas que se renovavam em cada paragem da velha camioneta. Sem deixar de meditar sobre o que queria dizer aquela senhora.
“se o tempo para trás pudesse voltar…”.
O que queria dizer a senhora?
Tentei decifrar o significado da frase que parecia carregar o mundo, mas não pude porque tudo isso me parecia normal, apesar de ser incoerente num meio de transporte coletivo.
Adelino Gomes-nhaca
Adelino Gomes