Ao atravessar a rua
Te vi passar...
Você é uma vírgula,
Uma frase perdida
De um poema sem rima,
Uma melodia sem tom,
A imagem borrada na fotografia,
Mas eu gosto de ti
Gosto de tua beleza inútil,
De sua inteligência fútil,
Desse ar que se parece com nada,
Desse seu encanto paralelo
Que fere meu autodomínio...
E penso...
Penso na força
Que me apega a ti
Nessa atração sem nexo,
Um fio de navalha
Entre a vida e a morte,
E não encontro
Sentido que justifique
Toda essa insanidade...
Um corpo,
Um sopro,
Um copo de água
Para matar minha ressaca...
E no fundo de tudo
Num mundo que não cabe em si
Descubro a sensível
Semelhança entre nós...
Um resto de desejo
Que teima em ser vivido...
"Há poemas ininteligíveis nos seus elementos, porque só o poeta tem a chave que o explica; mas a explicação não é necessária para que pessoas dotadas de sensibilidade poética penetrem na intenção essencial dos versos"
Manuel Bandeira