Poemas : 

Do outro lado do espelho - VII

 
 
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VII

Cresci demasiado pequena, absurdamente pequena, para tanto espaço, vi-me ali vezes sem conta, sozinha em plena inconformação, a rezar nem sem bem o quê ou para quê. Nunca gostei de igrejas, o silêncio mastigava-me o medo, os espinhos de Cristo faziam-me lembrar os que me cravaram na inocência. São frias, amplas e os santos de madeira carregam no olhar um doloroso sofrimento, talvez me reveja nos seus olhos.
As atrocidades cometidas são sempre as mesmas, repetem-se constantemente; guerras, massacres, fome, doenças.
Como se lida com um mundo assim, com o caos, quando se acorda para a vida?
Haverá alguma resposta instantânea?
Foi o suficiente para sentir vergonha da minha condição humana. Convenceram-me a procurar um médico, assim o fiz. Quando lhe coloquei diversas questões, prescreveu-me três caixas de ansiolíticos. Voltei para casa sem respostas e com uma mão cheia de drogas. A adolescência é tramada, quando não se é conformista passa-se a ser extra terrestre, e a droga é uma puta que nos é servida a qualquer preço. Preferia ser eu a puta do que ser fodida pela “puta” do sistema a julgar-me pela inconformação. Resolvi escolher o meu caminho, fosse qual fosse, seria melhor do que enlouquecer com o número 179 587 135, é isto que somos para o Estado.


(Continua)

Conceição Bernardino – in “do outro lado do espelho” - 2015


A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.
Aristóteles

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@cartascemremetente

 
Autor
Conceição Bernardino
 
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Enviado por Tópico
Vania Lopez
Publicado: 20/01/2015 04:14  Atualizado: 20/01/2015 04:14
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Mensagens: 18598
 Re: Do outro lado do espelho - VII
o nu em seus versos é o que mais me encanta.
agridoce, sem deixar de ser macio. inebria.
números abertos, soam bem. podemos ser.
futuro espelho espalhado para todos, linguagem melhor, aberta.
ovelhas, nunca! bom esse momento em que toda palavra é humanidade. bjs