GERAÇÕES
PARTE II
CAPÍTULO III
Arthur Antunes baixou a cabeça e ficou pensativo. Uma onda de pensamentos invadiu sua mente. Tomar banho em companhia de Vicente poderia despertar, tanto em si mesmo como no companheiro, desejos que não conhecia e que talvez ali, em derredor daquele ambiente, não fosse o momento adequado. Seu pensar dava voltas, visitava as estrelas e aterrissava sem uma resposta, sem uma decisão...
- Não sei Vicente... Não acho legal... Nossos companheiros podem desconfiar e maliciar a relação de amizade que há entre nós.. Ficaremos marcados e cartazes dos mais abjetos comentários. Não é isto que quero para mim... – Frisou Arthur.
- Como vão saber que tomamos banho juntos se a porta do quarto está fechada? - Interrogou Vicente... Da minha boca nada sairá... a não ser que a sua seja “dedo duro”...
Arthur olhou para a porta. Realmente, estava trancada, bem trancada...
- Minha boca não é “dedo duro”... Está bem, vamos...
Tiraram as roupas íntimas que vestiam e mergulharam no chuveiro. Cada qual tomou seu banho, somente se tocaram quando um esfregou as costas do outro. Saíram do banheiro, enxugaram-se e retornaram para o quarto.
- Viu como não houve nada demais num banho a dois? – Indagou Vicente.
- Vi... Porém não é bom ficarmos nos lembrando disso... – Arthur se expressou.
- De que você tem receio? – Vicente cutucava o leão com vara curta.
- De que eu ou você passe dos limites e que haja uma intimidade que não deve acontecer...
- Uma intimidade mais profunda entre duas pessoas só ocorre quando os
dois lados querem. Se um lado o deseja e o outro não, não se corre risco. Se você tem receio é porque sente algum desejo, ou estou enganado?- Vicente aventurou.
- Vamos nos vestir, os outros nos esperam para almoçar... – Apressou-se Arthur.
Todavia Vicente não suportou... Ambos ainda estavam nus e empurrou levemente Arthur que caiu deitado sobre uma das camas. Vicente, muito rápido e sem dar chances para que Arthur raciocinasse, deitou-se sobre ele de forma frontal e buscou avidamente os lábios do amigo... A
partir daí, pode-se imaginar o que sucedeu entre os dois jovens...
O tempo avançou. Alguns anos venceram as barreiras das horas. Arthur Antunes estava a completar 20 anos e se formara em Administração. Era noivo de Thainá e amante de Vicente Brusque há cinco anos. Conseguia satisfazer os dois lados de suas paixões sem levantar suspeitas sobre suas aventuras.
Ígor, um pouco mais novo, lutava para ingressar numa faculdade de Engenharia. Curtia planos ousados para o futuro. Estica-se mais um pouco este tempo que a ninguém respeita e vamos ver Ígor diplomando-se em Engenharia Civil. Por este tempo, Arthur já contraíra matrimônio e vivia feliz ao lado da mulher, que nunca imaginara ter o marido um amante de longas datas.
Ana incorporou ao patrimônio da Fundação duas novas linhas de atuação: comprara uma grande construtora e adentrara no ramos de hotéis, adquirindo o controle acionário de uma das maiores redes hoteleiras do mundo. A conselho do marido, Bruno Visconti, decidiu aposentar-se e entregou a Presidência a Arthur Antunes. Ígor assumiu a direção geral da construtora ligada ao Grupo e manifestou interesse de enveredar pela política. Era este o teor do diálogo que mantinha
em casa durante o costumeiro almoço do domingo.
- Você tem certeza de que deseja isto para você, filho? – Interpelava Bruno Visconti.
- Sim... Tenho planos audaciosos dentro da política. Trabalharei honestamente para o povo. Meu sonho é chegar a ser Presidente deste país... – Sonhava o jovem.
- Darei todo o apoio a você, Ígor – prometia Arthur – Conheço-o e sei que jamais se misturará aos falsos políticos, aos desonestos...
- Isto mesmo, meu irmão... Vou trilhar uma linha de respeitabilidade. – Colocou Ígor.
- Se é isto que quer, daremos nosso apoio. – Finalmente concordou Bruno.
- Já fiz meu alistamento no Partido e serei candidato a Deputado Estadual nas próximas eleições. Vou entrar quente... Já que meu irmão me apoia, vou começar por conquistar o povo do
Vale das Cobras, na cidade de K, e onde foram dados os primeiros passos para a edificação deste império fabuloso que temos em nossas mãos. – Ígor asseverou.
- O que pretende fazer? – Quis saber Arthur.
- Farei por lá um pré-campanha e vou usar a máquina poderosa da Fundação neste projeto. Pretendo transformar aquele antro de malfeitores e vagabundos num bairro nobre. Calçarei todas as
ruas, porei saneamento básico em toda a vila, construirei escolas, creches, praças e tudo o mais que for preciso, haverá uma total metamorfose, o lugar ficará irreconhecível, vocês verão...
Posso fazer uso de recursos próprios para construir tudo isso? – Indagou.
- Pode – respondeu Arthur – como disse, darei total apoio aos seus projetos.
Arthur era dotado de bastante inteligência e criatividade. Acabara de adquirir o Estaleiro de Leandro Thiné, que entrara em concordata. Por sua vez, Leandro estava muito doente e viria a falecer meses depois, vitima de cirrose hepática. É que enveredara na bebida e bebia que bebia. Igualmente faleceram Juan e sua esposa, Vanusa. Os novos personagens chegavam e, os dobrados pela velhice, entregavam impunemente suas almas ao poder da morte.
Ígor pusera em prática seus ideais. Visitou o Vale das Cobras e caminhou por toda a extensão daquele bairro. Parava, dialogava com um e com outro e, assim deixou a população atenta ao futuro, a um futuro que ele prometia de realizações. E cumpriu tudo o que se predestinara a fa-
zer. Ordenou que todos abandonassem suas casas, porque elas seriam derribadas e novas e decentes moradias seriam edificadas. Num espaço de dois anos a transformação se concretizava e veio o dia da inauguração do que fora um dia o Vale das Cobras, nome que ficaria para sempre esquecido, agora batizado como Via Burguesa. O povo estava feliz. Tinham energia elétrica, água encanada de qualidade, praças públicas bem tratadas, saneamento básico e tudo o mais que
um lugar nobre pudesse conter. Ígor Antunes teria seu nome eternamente gravado no seio daquele povo. Elegeu-se Deputado, depois foi Governador e, agora sua campanha se alastrava pelo
país, era candidato à Presidência da República. Ígor era do povo e trabalhava para o povo, contudo, não tivera tempo de pensar em sua vida sentimental, permanecia solteiro e era o sonho de muitas mulheres conquistá-lo, o que jamais alguém conseguiria.
Arthur Antunes fora pai apenas uma vez: Thainá morrera em consequência do parto de seu único filho: Gilberto. Não se casara outra vez e seus dias eram para cuidar de Gilberto Antunes e dos interesses da Fundação, cada dia mais rica e poderosa.
Certa vez recebeu em seus escritórios uma delegação de importantes integrantes do Governo americano: traziam uma altíssima proposta de negociação. Os americanos desejavam assumir o controle acionário da Fundação Mercantil Dagoberto Antunes e todas as suas ramificações.
- Eu lamento, porém nem a Fundação, nem qualquer ramificação a ela ligada está à venda. Perdem tempo se sonham em comprar nosso império. Tudo o que é a Fundação pertence ao povo e nós não o trairemos jamais. Como disse, sinto muito.
Os americanos insistiram em outras ocasiões, repetiram as visitas dezenas de vezes, no entanto, todas elas infrutíferas. Os Antunes não sonhavam em desfazer-se do que era orgulho da família e da Nação.
Arthur sofreria dois golpes muito perto um do outro: Vicente Brusque, o grande amor de sua vida viria a falecer num acidente de trânsito e sua mãe, Ana, entregara tranquilamente sua alma a Deus após sofrer de uma longa enfermidade: Lupus.
Estava com o coração partido. Mesmo profundamente melancólico, dedicou-se inteiramente à criação de Gilberto e dava atenções especiais ao pai, velho e cansado de guerra.
Ígor Antunes era unanimidade entre o povo. Certamente seria eleito com bastante facilidade, não havia qualquer outro candidato que lhe fizesse frente, tamanha a devoção e o amor que o povo lhe rendia. Estava em final de campanha e discursava em rede para a nação inteira, todos os canais televisivos transmitiam suas palavras:
“Meu povo, este país tem jeito, sim. Eu vou transformar de norte a sul, de leste a oeste esta Nação que sempre careceu de políticos cujos propósitos sejam apenas o de governar pelo povo e para o povo. A política em nosso país deixará de ser cabide em empregos... Só
realmente quem tiver vocação e o sincero desejo de servir, tomará as rédeas da política, porque em minha gestão: deputados, senadores, prefeitos, governadores, vereadores, presidente, ministros e secretários do executivo não terão mais salários... o trabalho será uma doação à Nação do seu tempo a fim de que possamos edificar uma pátria igual para todos, onde todos gozem dos mesmos direitos e aspirações...”
Ígor chegou cansado esta noite em casa. Estava com forte dor de cabeça... Não se preocupou, sabia ser produto dos últimos dias, havia mergulhado de corpo e alma na reta final da campanha. Agora era aguardar o resultado das urnas e comemorar.
Na manhã seguinte acordou cedo. Tomou o costumeiro banho, fez o desjejum e saiu. Iria fazer uma visita ao pai e depois almoçaria com Arthur, irmão que lhe dera total e irrestrito apoio a todos os seus projetos dentro da política.
Estacionou o carro em frente da residência do genitor. Calmamente abriu a porta e desceu, contudo não conseguiu dar mais que dois passos... Dois tiros de espingarda o atingiram em cheio na cabeça: teve morte instantânea.
Arthur estava inconsolável... Chorava no ombro do filho, ainda pequeno demais para entender das coisas da existência. Bruno Visconti passou mal quando soube e foi levado às pressas para a emergência de um hospital. O povo chorava e a Nação inteira lamentava o trágico desaparecimento daquele que fizera brotar a esperança de novos tempos. Estava consumado: Ígor Antunes estava morto... parecia um pesadelo... Ígor Antunes morrera... o país morrera... Bruno Visconti
não suportaria a dor: pereceria no hospital.
Enquanto o país enterrava um grande líder, Arthur e Gilberto sepultavam Ígor e Bruno ao mesmo tempo. Coisa de quem nasceu para viver e... para sofrer!
Arthur convidara sua prima Valéria para morar em sua casa. Marcelo e Thaís haviam morrido e a família Antunes ficara reduzida a ele, Valéria e seu filho, Gilberto. Valéria não se casara, não possuía vocação para o matrimônio... Em verdade, às escondidas, tinha um grande amor: Ber-
nadete, que fora sua companheira na escola e no curso superior de Relações Públicas.
Dias e horas se passavam. Gilberto crescia e tinha em si as mesmas características físicas, já próprias da família: cabelos loiríssimos, olhos profundamente verdes e a pela alvíssima.
Gilberto era um príncipe e, cada dia que passava, mais lindo ficava. Era o orgulho de Arthur.
Gilberto acabara de completar 16 anos. Era estudiosíssimo e aplicado, muito tenente ao pai, a quem dedicava intensa afeição. Na verdade, Arthur fora seu pai e sua mãe, visto que sua genitora falecera em consequência do seu parto.
Foi por essa época que Arthur recebeu em seus escritórios a imprensa, que há muito insistia para dele obter uma entrevista. De tanto perseverarem, afinal conseguiram.
Arthur apenas limitou-se a fazer o seguinte comentário e logo em seguida dispensou os jornalistas: “Não tenho muito a dizer... Primeiramente agradecer ao povo do meu país pelo amor e atenção que dedica aos membros da família Antunes. Segundo, afirmar que, há alguns anos venho sofrendo forte pressão do Governo americano para que me decida pela venda da Fundação e de todos os seus conglomerados. Digo e reafirmo: enquanto eu for o Presidente e tudo estiver em minhas mãos, pode o povo colocar com tranquilidade sua cabeça no travesseiro e dormir em paz: Arthur Antunes Visconti não fará qualquer negócio com aquilo que pertence ao povo e à Nação, jamais! Um dia meu filho Gilberto se sentará em minha cadeira de Presidente, mas está a aprender comigo e com a história dos nossos antepassados: a Fundação que é orgulho da família Antunes e do povo, nunca será negociada, espero que o mesmo ocorra com a descendência de meu filho. Não tenham dúvidas, o trágico assassinato de meu irmão Ígor jamais será esclarecido, ele foi vítima de um conluio político que tem duas vertentes: o de não se deixar transformar a podridão que reina há séculos e também para pressionar a família a vender nosso império tão exaustivamente construído. Nada mais a acrescentar. Obrigado.”
O comentário de Arthur Antunes repercutiu em todos os recantos do país. Todos foram uníssonos em afirmar e a concordarem com o seguinte pensamento: “Este faz parte da nata dos Antunes, um homem íntegro e que não tem medo nem papas na língua para dizer, de peito aberto, o
que o país inteiro sabe, mas silencia para não sofrer represálias...”
AMANHÃ - CAPÍTULO IV DESTA PARTE II