VI
Passei a escrever poemas ou qualquer coisa com essa definição, ninguém se dá por vencido sem que a derrota afunde tudo o que está ao seu alcance. Foste tu que me ensinaste a olhar para a imensidão do azul mesmo quando era cinzento. A sentir o sabor do mel quando era fel, aquecer as mãos geladas de alguém que nunca sentiu calor de ninguém. Fizeste-me acreditar nos anjos e na sabedoria dos gatos. Ensinaste-me que o céu não tem fronteiras nem limites. Por ignorância, minha ou tua, nãos sei, não aprendi a viver sem ti, agora dou comigo descalça à procura dos teus sapatos.
Aprendi, meticulosamente, a medir o tamanho de cada passo que dou, qualquer um que seja dado em falso fará rebentar a bomba que trago ao pescoço. Tudo o que construí poderá rebentar em segundos, são sempre os segundos que suportam esta dor que carrego dentro do meu peito. Não sei se por amor ou por desapego à matéria de que somos feitos. Nenhum homem, por mais forte que seja, aguentaria o sangue que ainda carrego por não te ter matado. Seria mais fácil ignorar-te, seguir viagem sem ter que parar em todos os apeadeiros, à espera dos pedaços que vou agrupando para que os trilhos da memória não se separem.
Ainda ouço o som estridente, (pouca terra, pouca terra), agora entendo porque sorrias, não é preciso muito para ser feliz, essa terra onde morava-mos era tão deslumbrante como uma bússola em alto mar, levava-nos sempre a bom porto.
(Continua)
Conceição Bernardino – in “do outro lado do espelho” - 2015