Na minha estadia em Nova Iorque, andei muito de autocarro. Não me cansava de o fazer, de repetidamente percorrer aquelas ruas que nunca pareciam as mesmas e olhar para toda aquela paisagem que tanto me fazia sentir livre. Nada me dava mais gosto do que sentir a movimentação da cidade, das pessoas, ouvir o barulho dos carros misturado com as mil e uma vozes e línguas diferentes.
O que eu não sabia, era o quanto aquela viagem ia ser bem diferente de todas as que tinha tido.
Lembro-me de me gostar de sentar sempre um pouco mais atrás no autocarro, onde onde não tinha que me preocupar em levantar-me para tirar fotografias ou com a possibilidade de levar com um tronco de uma árvore na cabeça.
O autocarro estava cheio, toda a gente estava animada, e naquele momento, perguntava-me quem seria o guia de hoje. Foi quando o vi chegar ao andar de cima do autocarro onde me encontrava. Era um senhor já com sessenta e muitos anos; as rugas bem vincadas no seu rosto, não deixavam esconder a sua idade. Mas o sorriso, e o seu olhar, esses sim eram surpreendentes. O seu sorriso era resplandecente, e os seus olhos brilhavam com a mesma intensidade que o seu sorriso. O seu cabelo grisalho caia até ao pescoço e estava tapado por um gorro azul. Trazia vestido um casaco também ele azul e preto da companhia para a qual trabalhava. Colocou uns óculos de sol, e assim que começou a falar, gerou-se a festa! Era alegre, divertido, e a sua espontaneidade era tanta que cada lugar que visitávamos fazia das suas palavras uma autentica história de deixar qualquer um embasbacado.
Lembro-me que estava no meu cantinho quando ele se sentou ao pé de mim e sorriu perguntando-me de onde eu sou. Quase que queria dizer que era dali, mas acabei por responder que era de Portugal, que pelos vistos ele já tinha visitado uma vez.
E foi assim que começou uma longa conversa por entre as ruas daquela cidade. As suas palavras fascinavam-me porque sempre me pareceram carregadas de verdade. Contou-me um pouco da história da sua vida, da sua família, de como é difícil ser-se guia turístico naquela cidade dos vários trabalhos que teve, do facto de ter saído de casa dos pais muito cedo e de ter começado a sustentar-se e a ter que trabalhar muito cedo para poder ter a vida que teve até hoje e passámos também brevemente pelos acontecimentos do onze de Setembro que relembrámos com tristeza.
Mas o que mais me fascinou, foi no momento em que passávamos a ponte de Brooklyn e ele com um olhar sonhador disse-me: Sabe menina, já fiz e vivi tantas coisas quantas possa imaginar, ou talvez não. Mas já fiz de tudo. Escolhi os meus trabalhos, deixei-os para trás porque não era nada daquilo que queria. Tive um trabalho das 9 ás 5 uma rotina que não tinha nada a ver comigo. Até que descobri este trabalho, que não é fácil mas que me traz felicidade, adoro as ruas desta minha cidade, nasci e cresci aqui, e não trocava este lugar por nada deste mundo. E hoje em dia, posso dizer que com a minha idade, até agora fiz tudo aquilo que queria fazer, vivi onde quis viver, e sou feliz porque aos poucos e poucos concretizei os meus sonhos. Devemos fazer sempre o que nos faz feliz e não o que os outros querem porque os faz feliz. Siga o seu coração e vai ser feliz. O seu olhar, e o seu sorriso, demonstravam exactamente isso, a felicidade de poder dizer que foi e continua a ser feliz apesar das dificuldades quando começou a sua vida, e claro as que ainda ultrapassa diariamente como todos nós. A sua forma de se expressar, a forma de dizer as coisas, era de alguém de quem realmente já viveu muito e passou por muita coisa, mas... que mesmo assim consegue sorrir, porque como ele diz, “é difícil de explicar, mas tu um dia vais entender” todas as alturas difíceis pelas quais passamos, servem para nos ensinar algo para nos tornar mais fortes, mais atentos, e para nos conhecermos a nós próprios. Este senhor fascinou-me pela sua história, e pela forma como me tentou transmitir aquilo que sabia e que tinha aprendido com a vida.
Quando me despedi dele com um abraço sentido, admito que não me queria vir embora, queria continuar a falar com ele. Sei que mesmo que lá volte, é difícil de o encontrar, por isso, fiz questão de lhe dizer o quanto me inspirou, e que guardaria comigo aquele momento na minha memória. Sr Craig nunca mais me vou esquecer. Muito obrigada. :)
quem for a NY aconselho vivamente esta companhia de autocarros da qual este senhor fazia parte! super simpáticos, e bem dispostos! :)